André, Vasco e Carolina

dia3ChegadosaCasa_Vasco

A gravidez, o parto, o amor imensurável e outras coisas mais…

A notícia caiu como uma bomba.
Não estava de todo à espera.

Já tinha apanhado um ou outro susto destes, mas logo desta vez que era verdade verdadeira – não dei importância a tantos sintomas importantes e indiscutíveis…

AH?! ESTOU GRÁVIDA?!
Muitos enjoos, tonturas, muito sono e uns apetites invulgares… e uma confirmação, melhor duas: primeiro de um teste de farmácia, e depois com análise ao sangue. Esta última confirmou: grávida de 5 semanas.

Chorei-ri, chorei-ri, fiquei num estado de completa bipolaridade.

Estava na Macedónia e ainda bem que vivemos numa Era em que tudo está ao alcance de um click, pois foi via Skype, que dei a notícia ao pai A., ao meu irmão e à minha mãe e pai.
Da parte do A. ouvi um silêncio ensurdecedor, só passado algum tempo ouço do outro lado da onda cibernética: “Já se estava mesmo a ver!”

Na verdade só respirei de alívio quando pude falar com a minha mãe! (colo de mãe é tudo!!!).
Eu estava na Macedónia a fazer um projecto de voluntariado, e o regresso a Portugal estava agendado para fim de Março. Optei por ficar e concluir o que tinha começado, era Janeiro, e o melhor que eu podia fazer era aproveitar ao máximo aqueles últimos meses. Custou muito sim, porque estava longe da família e amigos, mas verdade é que também lá encontrei apoio e amizade.
Era agora necessário encontrar um obstetra que falasse inglês, já que médica dos voluntários era uma anedota e obstetrícia não era a sua especialidade… Ela foi uma porreira e indicou uma clínica privada, e a Drª Lydija.

E assim foi: marquei consulta na Clinika Promedika, no centro de Skopje.
Consultas, exames, a primeira ecografia, o bater do coração…

Nesta altura chamava o meu bebé de feijoca, pois tinha um feeling de que era uma Olívia, contudo a Drª Lydija avisou-me que muito provavelmente seria rapaz, assim sendo um Vasco.

A minha grande preocupação era o que devia ou não devia comer. Queria fazer o melhor pelo desenvolvimento do meu bebé. Ferro, magnésio, vitamina C e uma alimentação equilibrada. Cortar saladas e carnes mal passadas.
Foi lá mesmo na Macedónia que fiz os primeiros exames –despiste de rubéola, trissomia 21, e o exame da toxoplasmose.
Neste primeiro trimestre tenho muito a agradecer à Blathnaid (quem me comprou o teste da farmácia e esteve comigo no primeiro momento), à Valentina (amiga Macedónia que ia comigo às consultas e servia de intérprete e ombro amigo –chorou quando ouviu o coração do Vasco!) e ao Tiago (amigo que fiz nesta aventura de um ano na República da Macedónia, e que vou levar pela vida fora!) todo o apoio, e toda amizade que levo no meu coração para sempre.

Já de regresso a casa (Portugal), havia muita coisa a organizar, arrumar.
Estava de 15 semanas (acho). Para além do primeiro trimestre atribulado e super emotivo, toda a gestação foi tranquila. Sentia-me serena e confiante com todo o processo. Todas as questões do parto me pareciam esclarecidas. Fiz preparação para o parto, fui a workshops sobre movimento e consciência para o parto, amamentação (que nesta altura era o meu maior receio e que depois se revelou a coisa mais fácil…).
A data prevista para o nascimento do Vasco estava entre 10 e 12 de Setembro (2011).
Na madrugada de 9 de Setembro, acordei umas vezes com uma moínha, como as dores menstruais, mas mais intensa e muito incomodativa e não necessariamente dor. Acordei várias vezes, ainda tentei perceber se havia algumas contracções e ritmo, mas estava com tanto sono que acabava por adormecer.
Levantei-me por volta das 7h da manhã e a moínha estava cada vez mais intensa, mas ainda assim suportável. Pensei para comigo: é agora!
Era dia 9 de Setembro, tinha consulta de rotina no hospital para fazer CTG. Chegar ao hospital foi uma aventura, pois tinha de parar umas vezes porque tinha contracções fortes e não dava para me mexer.
O CTG confirmou tudo o que eu já sabia, ou melhor, sentia: estava com picos de contracção. Fui vista pela médica que me fez o malvado toque (numa próxima não me apanham nisto dos toques…).
Vou-lhe fazer uma maldade”, disse. Já era a segunda maldade que me fazia num espaço de duas semanas. Na primeira saiu-me o rolhão… adiante.
Voltei para casa, mas com a recomendação de que à tarde ou noite desse mesmo dia iria voltar ao hospital.

Em casa, pus-me à vontade. Em grande parte dos momentos ficava quieta, encolhida com as dores. Depois voltava a fazer coisas. Na realidade tentei ouvir o meu corpo e fazer o que me apetecia fazer. Pedi ao A. que pusesse a tocar o mantra Baba Nam Kevalam, era só isso que se ouvia em loop pela casa. Ou isso ou o Gayatri mantra.

Estive uma hora ao telefone com uma amiga Doula, que não pôde estar comigo, mas que através do telefone me serenou o espírito, já entregue à dor.
Durante a tarde, a dor acalmou e deu algum descanso. Tomei banho. Estava sim, constantemente com uma dor nos rins que mais para fim da tarde se intensificou.
O A. fazia-me massagens e pachos de água quente ou fria (já nem lembro!) para aliviar a dor.
Estive sempre com o A. meu namorado, e no fundo o grande culpado desta grande confusão! (risos) Por volta das 20h30 rebentaram-me as águas e lá fui eu calmamente para a maternidade.
Entre chegar ás urgências, ser informada que tinha bolsa rota (desconhecia o termo…) aguardar e ser vista, demorou um bom tempo.
Quando estava a dar entrada na sala que, pensei eu, seria a sala onde nasceria o meu menino a Sala nº3 (curiosamente o meu número de eleição), me apercebi da importância de tudo o que se ia passar aqui. Power.
Estive nesta sala 18 horas. A dilatação não aumentava, o que aumentava era a dor.
A enfermeira que me assistia, vendo que que eu tinha algumas dores, perguntou se eu queria epidural. Respondi segura que não queria (ainda).
Era na verdade essa a minha convicção, no entanto nesse preciso momento esta minha convicção deixou-se levar pela pressão feita pela mesma enfermeira que ao fazer o toque “puxou” de 2 para 3 dedos quase que à pressão…

(Este assunto é polémico, e ainda hoje quase 3 anos passados, continuo com dúvidas a seu respeito…)

A Enfª voltou a perguntar: “Quer a epidural?” Respondi que preferia esperar e ver um pouco mais para a frente qual era a progressão das dores…
Foi este o momento em que me senti desrespeitada: a Enfª rapidamente me diz que, “ou toma agora ou depois não lhe posso dar”. Deixou-me entre a espada e a parede. Eu estava já tão cansada, frágil e cheia de dores que, sendo coagida desta maneira (não encontro palavra melhor) acabei por dizer que sim.
Foi a partir deste momento que a meu ver tudo correu mal.
Esta é sem dúvida uma “droga” santa, pois em muito pouco tempo as dores passaram e fiquei tranquila. Agora a única questão era, quando seria o momento “D”. Como seria e quando veria o meu bebé e o teria nos braços. Ansiedade 100%.
Tentei exercitar o períneo sob o efeito de tal fármaco, e a verdade é que não tinha noção da força que estava ou não a fazer. Pensei para mim: isto é uma treta.
Acabei por ser algaliada. A cada vez que o efeito da epidural acabava, eu deixava-me ir o mais que pudesse. Respirava. Chorava, ria e dizia piadas sem nexo algum… Recebi três reforços.
Estive no bloco de partos umas 18h. Desde o momento em que me deram a epidural, até ao momento em que me disseram que a dilatação não progredia, e que iam esperar um pouco mais e que se não houvesse progressão seguia para bloco cirúrgico para fazer cesariana, apenas tinha dilatado mais 1 dedo. Estava pois nos 4 dedos (ou centímetros, sei lá!).
Disseram que estava tudo bem com o bebé, mas que como não estava a progredir na dilatação e como tinha a bolsa rota, que tinham de seguir para cesariana. Chorei, fiquei incrédula o meu parto, o tão esperado momento não estava a ir de encontro ao sonho.
Estava deitada, sem me poder levantar (continuo sem perceber porque não podia levar e exercitar numa bola de pilates – que disseram estar disponível aquando da visita à maternidade – dançar, qualquer coisa…).

Agora quase três anos passados consigo perceber que muita coisa correu mal, e o porquê. Uma das razões é tão simples quanto isto: apenas precisava de alguém que me dissesse “tu és capaz”, “ouve o teu corpo” – tão simples quanto isto: precisava que me dessem tempo de parir. Apenas isso.
Em vez disso, deixaram-me entregue à dor, num quarto branco com um bercinho de bebé que ainda mais ansiosa me deixava (assim como ouvir choro de bebés acabados de nascer ao fundo…).

Já de manhã, com a mudança de turno, renovada esperança entrava no meu quarto. A chegada do obstetra que viria a pôr o meu filho no mundo (nem sei o seu nome…), não me transmitiu tanta segurança quanto eu esperava. Rabujou com a enfermeira que me auxiliava e a única em algumas horas que me sorria com um sorriso franco, mandou o A. sair sem modos alguns para poder fazer o toque. Enfim. Devia estar chateado por ter de entrar cedinho ao trabalho.
Seguem-se mais toques. Diz ele para a enfermeira: 4 dedos.
Estamos mal, pensei eu. Ainda falta, falta muito…
Passadas algumas horas (que pareceram eternidades…), volta o Dr. , e novamente faz o toque. Mantinha os 4 dedos.
Saiu e rapidamente voltou. Conversou connosco, dizendo que o estado não estava a progredir, e que já não havia muito líquido e que assim, iam esperar mais ou menos uma hora, para ver qual era a progressão, e que se se mantivesse teriam que fazer cesariana.
Chorei, desabei, e pedi aos seres do universo para que a dilatação aumentasse e não fosse preciso nada daquilo que eu não queria e tão pouco havia colocado como opção…
O efeito da 3ª dose da epidural já estava a passar e passado uma hora, cheeeiiiiiia de dores, chega o médico, faz novo toque (mil toques…) e diz-me o que não queria ouvir. Vamos seguir já para o bloco operatório. Seguimos para cesariana.

Chorei.

Agarrei a mão do A. e não queria largar. A enfermeira reconfortou-me, ou assim tentou (aquela mesma que me havia sorrido logo pela manhã…).
Eu, que nunca na vida havia estado internada por nada deste mundo. Num mesmo momento – momento que se previa doloroso, mas simples tive direito a tudo: cateter para soro (picada nº1), cateter para epidural (meeeega agulha no lombo!), algália, cama arrastada pelos corredores (não eram muitos), bloco operatório, marquesa, luz forte nos olhos, uma equipa gigante à minha volta, um anestesista porreiro e lindo de morrer, spray: sente igual aqui e aqui e aqui?!, corte, costura, amarras na mesa de operações (perguntei porquê, e nem uma resposta decente me deram…) e uma parafernália de coisas…

Cada vez mais ansiosa por ver o meu bebé.
Aquele momento parecia estar a demorar séculos. Afinal já faltava tão pouco para o ter nos braços (pensei eu…) e nunca mais aceleravam a coisa…

As dores já estavam muito activas e eu desgostosa com o desfecho da minha história, pedi, ou melhor exigi, que me tirassem as dores de uma vez. O anestesista atendeu ao meu “pedido” e como já tinha o catéter colocado, foi só administrar a dose de cavalo para eu deixar de sentir tudo o que é meu das axilas para baixo. Enfim.

Parecia um cristo, de braços aberto ao mundo, nua, e com betadine a escorrer-me pelas costas em doses industriais.
Lembro ainda de sentir puxadas, de pensar: “mas porque não o tiram logo?! Lembro também do médico dizer: “epá este miúdo tem praí uns 4 kg”, num tom de quem está a tentar e não consegue…

O que vale nisto tudo é que eu tinha um “comentador” (o anestesista) que me relatava cada passo das mãos que trariam em minutos o meu primogénito ao mundo (tenho mesmo pena de não ter ficado com o nome do Dr.). Recordo as suas palavras como se fosse hoje: “Ele está quase cá fora… já está, já está… ainda não chorou (mas é normal), espere (breve pausa) vai chorar, vai chorar….” e nisto ouço o meu bebé pela primeira vez! Acho que perguntou por mim. Mas rápido o trouxeram para ao pé de mim, e ele calou-se. Mas não o pude tocar, vinha embrulhadinho, sentado na mão da erfermeira, todo vermelho, engelhado, inchado, vinha com ar cansado coitadinho. O meu primeiro pensamento, mal o vi foi: “epá, és tão feinho!” Mas feio ou bonito, verdade é que, embora não me pudesse mexer, acompanhei-o com os olhos, e rodei mesmo a cabeça quase em perigo que arranjar um torcicolo, e nunca mais o perdi de vista. Limparam-no, vestiram-no e fizeram todas as tretas que têm a fazer, mas estive sempre a ver onde ele andava, e o que lhe estavam a fazer.

Não sei se foi por nem lhe tocar nestes primeiros instantes de vida, que se apoderou de mim (e durante uns bons dias) o medo que levassem o bem mais precioso que estava diante de mim.
Enquanto era cosida, observava o meu bebé e ecoava na minha cabeça uma música de Maria Rita – Menina da Lua (claro que adaptei e cantava menino, mas esta não é a questão. A questão é que esta é uma música que me diz muito, e que é linda linda linda).

A Menina da Lua agora é Mãe. Nasceu o meu bebé!
E embora o meu parto tenha sido muito longe aquilo que eu idealizava, ou até mesmo, não tendo sido um parto respeitado, humanizado, foi o MEU parto. E o meu filho já estava cá fora. Era grande, pesado, feliz (e não tão feinho como o descrevi mais acima.) Era o MEU bebé. Trouxe um bebé ao Mundo e o mundo era dele agora também. Estava tão feliz quanto incrédula. A primeira noite foi de pura contemplação. Aliás, nos meses seguintes, e mesmo nos dias de hoje dou comigo a observá-lo (agora, em modo ninja para que não me veja). Mas não há nada mais doce que os observar secretamente.

Numa próxima vez conto fazer diferente. De forma consciente, estar mais informada dos meus direitos e fazer valer o meu sonho de um parto perfeito. Feliz, que traga felicidade pura a mim enquanto mulher e mãe, ao meu namorado, e que traga um bebé feliz e saudável.

Obrigada por me ouvirem. Obrigada Marta por esta oportunidade de gritar ao mundo um pouco do que foi este turbilhão de emoções do dia 10 de Setembro de 2011.

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Texto e fotografias por Carolina Nunes


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