Com amor. Relato de ritual de iniciação – a maternidade!
Querido tumtum (este não é o nome real do meu filho, mas foi assim que sempre o chamei, por causa do som do seu coração dentro de mim tumtum tumtum tumtum <3).
Nesse dia eu sabia que tu chegavas. Porquê? Porque tu falaste comigo, como falavas sempre que eu te pedia para te mexeres. Ou porque estava no CTG e não queria ficar lá muito tempo, ou porque estava preocupada de “não te sentir”, porque a tua posição era desconfortável para mim, e te pedia para mudares, porque… Porque sou tua mãe. E as mães e os filhos, como toda a gente sabe – falam!
Eu quero recontar o meu parto. Eu quero falar sobre aquele momento em que deixando nascer, nascemos também. Eu sempre ouvi dizer, e gostei da ideia, de “dar à luz” ser como um renascimento e apreciava a poesia desta acção mas… desde que tive o meu filho que sei que não é poesia! É verdade! Renascemos mesmo! Eu sempre senti o meu filho, desde o momento da concepção (sim, eu senti!), até ao dia do parto em que eu, “cheia” como uma Lua, sentia um filho, calmo e pronto, para sair.
Posso contar e recontar como quiser este dia, mas há quatro frases que tenho de referir sempre:
O “ok, tell me, what do I need to know?” do meu marido quando percebeu que o momento tinha chegado (e se preparava para perguntar ao Google o que fazer ;); A frase “já está em trabalho de parto activo, não quer ir para a praia?” da enfermeira Madruga que me recebeu nas urgências; E a “lemos o seu plano de parto e sabemos tudo como deseja que aconteça mas agora, neste momento, eu gostava de saber, o que é mais importante para si”, que a enfermeira Maria João me perguntou mesmo antes de eu entrar na piscina; E a frase “agora a Joana vai virar-se, deitar-se sobre o seu marido, para receber o seu bebé” dito com toda a calma pela enfermeira Celeste Varela no momento da expulsão.
Posso recontar como quiser mas há alguns gestos e sensações que não consigo esquecer:
O lençol que uma das enfermeiras me deu para estender no chão, quando percebeu que eu andava a fazer a dilatação pelos corredores e o que me dava mais conforto era ficar de gatas; A sensação morna da água, onde me sentei nua, que aliviou de imediato a minha dor e me fez sentir grande, leve, livre. O abraço que eu e o meu marido dávamos quando as contrações eram mais fortes e ele perguntava “what can i do, love?”; As mãos fortes de uma enfermeira (soubesse eu o nome!) que se sentou á minha frente e disse “Joana, agora chegou mesmo a hora de fazer força, comigo!”; As mãos sempre suaves, quase imperceptíveis da enfermeira Celeste; O cabelo do meu filho nas minhas mãos quando o toquei pela primeira vez, ainda dentro de mim; A sensação de ter presenças perto de mim. Dizem que quando parimos nunca estamos sozinhas, mas sempre acompanhadas de todas as parideiras, de todos os tempos. E elas vieram, eu sei; E a sensação absolutamente poderosa de sentir o corpo do meu bebé a sair de dentro de mim, todo o corpo (depois de a cabeça ter saído há algum tempo) do meu filho que escorregou para fora de mim, abrindo zonas do meu corpo e do meu ser até aí fechadas, fazendo a minha anca DANÇAR! Sacudida assim com o seu tamanho!
Posso recontar como quiser mas há sons que não me posso esquecer: O som do mar, quando fui à praia; O som das músicas que escolhi para ouvir – e que uma enfermeira me lembrou que podia tocar – e o som da minha própria voz a cantar. Sim, eu dei à luz a cantar o mantra Gayatri. Não estava nos meus planos cantar, mas os mantras foram feitos para isso mesmo, para auxiliar e potenciar a respiração e o estado de meditação que pode vir com isso. E eu respirei cada frase desta música com todo o meu corpo, e sei que o meu bebé, na sua rotação suave, que eu sentia tão forte na minha virilha esquerda, ajustando o seu corpo ao meu, mais e mais próximo dos meus braços, sei que ele sorria “a minha mãe canta!”; Lembro-me da palavra que eu dizia para o meu corpo “ABRE”.
Posso contar como quiser mas tenho de falar dos sabores… Do sabor da gelatina que comi sentada na água, sorrindo entre contracções, “why can’t i have one?” dizia o meu marido; Do sabor da água, meio doce, que entrou na minha boca quando passei a mão pela cabeça para aliviar o calor.
Posso contar e recontar mas há imagens que não desaparecem: A visão de mar, na praia; O cartaz com um bebé a nascer dentro de água, no hospital; A visão tão familiar de uma enorme bola azul, igual à minha, debaixo do duche; A visão do meu marido a chegar à piscina em roupão branco como se fosse para um SPA; A visão – que era mais uma sensação, porque eu pouco “via” neste momento do parto – de tantas caras na sala comigo, e a voz que me dizia “estamos muitas aqui, se quiser saímos, vieram por causa da música, outras de turnos anteriores não conseguiram sair”; E a visão mais do que mágica, a visão divina do tumtum assim, nu e inteiro, ainda debaixo de água! Foi como se… Como se eu tivesse viajado assim para o mundo dele, percebem? Os seres antes de passarem para este lado do mundo vivem uma existência paralela, num elemento tão diferente do nosso, com sons contínuos e iluminados apenas de sombras, um mundo paralelo que eu partilhei por alguns segundos. Enquanto eu e o meu bebé sentados na mesma água há um encontro “half way” do mundo dele e do meu… Percebes? Isto é para lá de mágico!
Este foi o meu dia, 7 horas e meia de encontro até sentir o tumtum no meu peito, até eu cortar o cordão umbilical – o meu marido não o queria fazer “me? No, it is not for me to cut them appart” – dizendo “meu querido filho, estás agora livre, já não me pertences mais”. Até parir a minha placenta, até serem recolhidas as células estaminais e eu ser observada, e ir à casa de banho (por meu próprio pé) e… Pela primeira vez dar de mamar… E é como ter-te de volta tumtum, passaram 16 meses e é sempre assim que nos aproximamos, agora dormes, no meu peito, este relato vou-to oferecer.
Tumtum tumtum
Eu sabia que tu ias chegar. Porquê? Porque sonhei contigo.
Texto e fotografias por Joana Fartaria.
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