Alcovas brancas

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Já havia falado deste projecto que fui ver ao CCB através do facebook. Resolvi falar com a Ainhoa e pedi-lhe gentilmente se queria responder a uma série de perguntas que habitavam a minha cabeça depois de ver este espectáculo. Foi e repito, das coisas mais bonitas que alguma vez vi. E não, não são as hormonas a falar. As respostas, essas não podiam ser melhores. Obrigada Ainhoa por partilhares intimidade.

Como surgiu este projecto?

Há muito que esta ideia acompanhava-me. Não sei dizer como apareceu, mas sei que tive que esperar anos para concretizá-la. Assim que soube que estava grávida, dirigi-me a um produtor, expus o projecto, pensamos em possíveis interessados em ele, e pedi-lhe segredo total porque ainda estava no momento mais frágil da gravidez que são os três primeiros meses. Depois disso, encontramos alguém que o agarrou e sempre nos apoiou que foi a Madalena Wallestein no CCB.

Para mim sempre foi importante o projecto começar antes do bebé estar aqui, porque ele já existe na barriga, e muitas poucas vezes tens a possibilidade de ver bailarinas grávidas a dançar, era uma questão não só artística, a dança a maioria das vezes esquece e não deixa ver os corpos que para mim são mais interessantes pela inscrição da vida que eles têm, os bailarinos velhos, os miúdos, as grávidas… não acredito numa dança virtuosa, acredito numa dança onde a vida está impressa.

Estreaste Alcovas Brancas ainda grávida e agora com a Zoe com 6 meses. Quais foram os principais desafios nesta evolução?

A minha ideia sempre foi fazer um espectáculo com uma estrutura muito sólida mas que a cada vez que o Alcovas Brancas se repetisse ela ia mudar os conteúdos conforme o desenvolvimento do bebé, a relação com os pais e os temas que se abrem na sociedade conforme esta idade. Portanto, o Alcovas Brancas 1 é igual ao Alcovas Brancas 2, a grande mudança é a Zoe de 6 meses no palco. Os textos mudam e a dança também.
O desafio maior no Alcovas Brancas 2, foi criar um espectáculo com a Zoe que ela sempre quisesse fazer. Porque ela estava em palco 50 minutos, e se chorasse ou não quisesse estar ali, o espectáculo nunca iria acontecer. Portanto, durante um mês estivemos sempre à procura da forma de fazer um espectáculo com ela e para ela. Tratava-se dum bebé de 6 meses, não foi fácil, mas conseguimos, lembro-me muito bem o dia que saímos do ensaio com a satisfação de já ter o espectáculo agarrado, parecia uma loucura ao início.

De que maneira é que a maternidade te transformou e como é que isso se reflectiu no espectáculo?

Eu sempre quis ser mãe, demorou muito, mas chegou. Acho que a maternidade te pode dar uma consciência do mundo em que vivemos muito grande, porque estás mais atenta ao entorno que a tua filha/o vive, eu pergunto-me continuamente onde é quero que ela viva, de que maneira e o que posso fazer para essa vida acontecer.
Tenho mais medos, graças a ela também, ou se calhar são os mesmos só que ampliados a dois.
Sou mais vulnerável a injustiças, e calo-me menos em relação a isso.
Acho que percebes que a pessoa é desde pequena, e que um bebé é uma pessoa, portanto o seu direito é igual ao meu. Devemos mudar a nossa visão de superioridade perante estes seres de tamanho menor, eles estão continuamente a ser inseridos numas normas de sociedade que sabemos que não funcionam, mas continuamos com elas, e os fazemos entrar nessa lógica. Não percebo isto.

A dada altura, fazes 1 caricatura da maneira como a sociedade vê a mulher, grávida e mãe. Qual foi o maior desafio para enfrentar esse “estado de graça”?

Foi o próprio espectáculo.

Uma mulher grávida a olhos dos outros não pode fazer nada. Quando estás grávida sentes uma força enorme e privam-te de senti-la por todos estes medos do não fazer, do estar quietinha, do cuidado que… e pouco a pouco a mulher grávida em estado de graça começa a sentir um estado de desgraça por ser obrigada a parar e ficar. É incrível como no século XXI estamos tão distantes da força de vida que o estar em movimento traz. O criar e fazer o espectáculo num estado de gravidez de 9 meses, foi esse desafio perante toda a sociedade que vê a gravidez como estado mumificado.

No espectáculo encontramos 3 gerações. Até onde nos pretendes levar?

Gostava ter as 4 gerações, ou se calhar cinco em muitos anos… Falta o meu pai. Ainda não encontrei a forma dele entrar. O espectáculo é uma linha de vida, duma vida íntima. Falta ele, um dia estará.

Bebé Gravidez Vida de Mãe

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