Um filho do coração

Encontrei a Ângela por “acaso”. Por de entre dois dedos de conversa, ela contou-me a sua história. E eu não resisti em partilhá-la convosco.

A Ângela veio mostrar-me que para além de um parto, com cordão, sangue e genes, também podemos ter um filho de Amor, vindo directamente do coração. A Ângela vai falar-nos da sua experiência de adopção e em como se tornou mãe quando viu a fotografia do seu filho pela primeira vez.

Conta-nos um pouco a tua história. Como é que surgiu a opção da adopção?

Desde que me conheço que sempre quis ter 2 filhos: um biológico e um do coração! Quis a vida presentear-me com um do Coração! Aos 25 anos de idade tive cancro do ovário, sofri uma intervenção cirúrgica para remover totalmente o tumor maligno seguido de vários ciclos de quimioterapia. Como fiz histerectomia total (fiquei sem útero e ovários), rapidamente percebi que o sonho de constituir uma família, de ter filhos, passaria unicamente pela Adopção de uma Criança! Ao contrário do que a maioria das pessoas poderá pensar, não fiquei assustada, nem triste com a ideia de não ter a possibilidade de gerar um filho dentro da minha barriga! Encarei o facto com muita alegria e optimismo, afinal de contas estava viva, curada e tinha acabado de ter uma das maiores sortes da minha vida: VIVER!

Quais foram os principais entraves em todo o processo?

Eu não diria entraves… eu diria procedimentos para os quais temos de estar preparados e predispostos a passá-los com toda a serenidade possível! Quando se parte para a adopção de uma criança já se sabe à priori que iremos ter um caminho um pouco longo a percorrer! Só após 4 anos efectivos de casamento é que eu e o meu marido pudemos iniciar o processo de adopção face à lei em vigor. Através da segurança social do distrito da nossa residência tivemos várias entrevistas com psicólogas, assistentes sociais e respondemos a vários questionários. Após uma apreciação das técnicas fomos considerados “aptos” para recebermos uma criança e a partir daí entrámos na lista de espera por uma criança. O nosso filho chegou no final de 3 anos desde que iniciámos o processo!

Como reagiu a tua família?

A nossa família já sabia há muitos anos que iríamos adoptar uma criança, por isso houve tempo necessário para assimilar a ideia e conceber a melhor forma de receber e integrar o novo elemento no seio familiar. O apoio da família e dos amigos é fundamental, imprescindível mesmo, pois é uma fase em que os casais estão mais vulneráveis, emotivos e excitantes pelo aparecimento do seu filho/a e precisam de todo o amor, carinho e solidariedade. Assim como também a criança quer ser recebida em Amor e sentir que é muito desejada por todos.

O dia em que viste pela primeira vez, aquele que ia ser o teu filho…

Quando a segurança social nos ligou a dar a notícia de que iríamos ser Papás, estávamos de férias a milhares de quilómetros de Portugal! Atendo a chamada e recebo a notícia mais fantástica das nossas vidas! As pernas estremeceram, fiquei imóvel e não sabia o que dizer, só me recordo de questionar: “Mas é mesmo a sério?!” Sim, era a sério, e dentro de 15 dias iria conhecer o ser mais maravilhoso da minha vida! O meu filho! Vi-o pela primeira vez aquando de uma reunião com as técnicas do nosso processo em que nos foi apresentado todo o dossier inerente à criança. Vi a fotografia do meu filho! É forte, muito forte, o momento, olhei para a fotografia e antecipei em segundos toda a vida que iríamos ter! À minha frente estavam as técnicas em constante avaliação, respirei fundo, fiz um esforço para a lágrima não cair, mas foi impossível! O coração bate depressa demais… foi sem dúvida um dos momentos mais importantes da minha vida! A seguir à fotografia, seguiu-se um vídeo que as técnicas fizeram com fotografias do nosso futuro filho! É intenso! Foi intenso! Indescritível. Dias depois estava a vê-lo pela primeira vez e mais intenso foi! No meio da sala estava uma mesa e as cadeiras em seu redor, para além de nós, estavam as técnicas da segurança social e as da instituição, ao todo éramos umas 7 pessoas! Ele entra devagar na sala e de costas, com a cabeça enfiada num gorro! Estava apavorado, envergonhado e ansioso! Se o momento é forte para nós, para as crianças ainda mais o é, pois ainda não têm capacidades emocionais para gerir as sensações! Olhou para mim, cruzamos o olhar, estava tenso e desprotegido! Só me apetecia agarrá-lo, abraçá-lo e correr dali para fora, pois estava a ser para ele uma situação muito constrangedora! Mas ele é valente, sempre foi e será, encarou todos com os olhos cheios de receios e com a certeza de que um futuro risonho se aproximava! Ao longo dessa manhã percebi claramente que já me tratava por Mãe e que sabia bem o que queria: Queria ser Feliz! Foi uma integração estupenda, ao fim de 3 dias o nosso filho estava a viver na sua nova casa, com um quartinho lindo e decorado com muito amor e carinho… íamos ser Felizes!

Que conselhos darias às famílias que pretendem abraçar esta outra opção de maternidade?

A principal preocupação que os casais/famílias devem ter ao abraçar a adopção é perceber se esta opção de maternidade os fará feliz! Tão simples como isso! Se me fará feliz é porque tenho uma motivação transcendente e uma capacidade enorme para o fazer! Deixando para trás esta fase, é importante obterem todas as informações possíveis sobre o processo de adopção em Portugal e aprofundá-las, tirar todas as dúvidas … Nesta fase, já depois de devidamente informados, voltam à estaca zero, voltam ás questões iniciais. Seremos capazes de adoptar uma criança? Como irá correr? A melhor solução é sempre estar informado o melhor possível, estreitar laços com as técnicas responsáveis pelo processo e deixar “correr” com toda a naturalidade possível! Quando acontece é maravilhoso, é uma dádiva da vida…

Quais são os teus principais desafios/objectivos como mãe?

Certamente as mesmas que as Mães minhas amigas, que todas as Mães! Ser todos os dias uma melhor pessoa, um ser humano mais volumoso e mais feliz. Só uma pessoa feliz fará outra feliz, por isso a minha felicidade é a arma do negócio! Proporcionar ao meu filho tudo aquilo que projectei e idealizei. Criar os alicerces necessários para vê-lo crescer de uma forma saudável e coerente! Ampliar os seus sonhos, horizontes e dizer-lhe todos os dias que é possível, que tudo é possível desde que se trabalhe para isso! Ser Mãe foi o melhor desafio que alguma vez terei na vida, é como respirar e muitas vezes questiono-me como é possível alguém querer muito ser Mãe, não poder biologicamente e negar-se a constituir família, a ser feliz por não conceber a adopção! Há que desmistificar e esclarecer o que é Adopção Plena, a Adopção Restrita e o que são as famílias de acolhimento!

Angela

© Ângela Fonseca

Parentalidade Vida de Mãe

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