O que nos dizem os rótulos

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Quem é que, no seu perfeito juízo, gosta de passar tempo no supermercado?

Ir às compras quando se entra num nova dimensão gastronómica pode ser interessante. Ingredientes até então desconhecidos, (super) alimentos caríssimos que mais vale anotar o preço, não vão estar mais baratos na loja em frente, marcas diferentes,… mas a mesma preocupação de sempre: ler os rótulos.

Considero que análise dos rótulos deveria fazer parte da nossa cultura de aquisição de alimentos. Constitui uma parte importantíssima do acto de comprar e, além do preço, é um factor de peso a considerar na escolha de um produto.

A informação contida no rótulo varia de país para país e consiste em informação obrigatória e informação facultativa que permite identificar o produto e a marca, fornecer informação sobre o valor energético e nutrientes, e até convencer o potencial comprador. Neste artigo vamos focar-nos na informação nutricional.

Em Portugal, a rotulagem nutricional apenas era imposta a produtos cuja embalagem apresentasse uma alegação nutricional como “rico em fibra”, “fonte de vitamina D”, “baixo teor de gordura”, etc. Desde Dezembro deste ano, aqui como nos restantes estados-membro, a rotulagem nutricional é obrigatória e nela devem constar, expressos por 100g ou 100ml de produto, o valor energético, alguns nutrientes e sal.

Esta obrigatoriedade abrange todos os alimentos pré-embalados, excluindo (logicamente) alimentos não processados. Alimentos processados mas cuja informação nutricional não seja considerada um factor determinante para a decisão de comprar (vem-me sempre à cabeça as gomas vendidas avulso…enfim…), ou aqueles cuja embalagem é pequena demais para conter esta informação, estão também excluídos. As bebidas alcoólicas estão por ora isentas, mas será um caso a ser estudado pela União.

Boas notícias para quem não quer perder tempo no supermercado a ler rótulos (e a ler este texto): basta comprar alimentos de verdade, isto é, não processados, alimentos processados com embalagens pequenas e…álcool 🙂

Quem como eu não se pode dar a esse luxo, seja por preguiça, vício ou simplesmente o gosto (ou pancada) por rótulos e experimentar produtos e/ou marcas novas… pode continuar a ler.

Da tabela nutricional deve constar o valor energético do alimento (em quilocalorias), teor em lípidos, ácidos gordos saturados, hidratos de carbono, açúcares, proteínas e sal, nesta ordem. (De referir que a tabela nutricional pode sempre alargada como forma de comprovar eventuais alegações feitas na embalagem). Mas muito antes de olhar para os números considero ser útil ler a lista de ingredientes. No meu caso, este primeiro crivo determina se aquele produto salta para o meu carrinho de compras ou “apodrece” na prateleira.

Há uma particularidade muito importante na lista de ingredientes que é o facto de estes serem apresentados por ordem decrescente de quantidade. Assim, se pretender comprar…um frasco de tomate aos pedaços…o tomate tem de ser o primeiro ingrediente. Não negociável. Obviamente que isto depende do produto. Não posso esperar que numa bebida vegetal de aveia esta seja o primeiro ingrediente (senão seria uma papa e não uma bebida). Mas é um primeiro factor que tenho em consideração. No entanto se uma embalagem de bolachas de arroz e côco me chama a atenção, não admito, e isto numa perspectiva puramente pessoal, que o primeiro ingrediente da lista seja trigo. Sinto-me enganada!

Perder tempo com compras é inevitável (a menos que alguém as faça por nós!). É uma tarefa repetitiva, entediante (nem sempre, vá!), que consome imenso tempo. Se juntarmos a necessidade de analisarmos os rótulos e estarmos atentos às armadilhas do marketing desonesto… puf…

Mas na minha opinião, ler os rótulos é importante e devemos fazê-lo. Pois de cada vez que escolhemos pôr um produto no carrinho estamos a dar informação ao mercado e nós, juntos, temos muita força. Mas é preciso que todos conheçamos as regras do jogo.


Continuando… Outro aspecto importante e esse então crucial, principalmente quando estamos a comprar para crianças. O açúcar! Não basta trazer pela bonecada na embalagem, pela falácia de que é especialmente concebido para crianças. Duvidem. Sempre. Peguem na embalagem, rodem-na 180 graus e olhem para a lista dos ingredientes. Se o maldito está lá, deixem o iogurte, o cereal, o sumo na prateleira. Então mas se for sem açúcar o meu filho não come! Mas cabe-nos a nós educá-los para isso, fazendo escolhas saudáveis desde que eles estão na barriga. Além disso existem já imensos blogs, e grupos de partilha de receitas saudáveis. A onda está a crescer. Havemos de tentar tantas coisas que acabaremos por descobrir o que resulta para o nosso caso. A saúde dele(s) vai agradecer, ainda que nem sempre consigamos dar-lhe(s) a volta. Somos humanos.

O grande problema é que este nosso inimigo comum, como todo o bom burlão, usa vários nomes artísticos. Citando alguns: sacarose, xarope de frutose, sumo concentrado de fruta, maltodextrina, xarope de malte, açúcar invertido, mel (sim, mel), xarope de milho, geleia de arroz… e apesar da glicose e frutose usarem vias metabólicas distintas, qualquer um deles, em, excesso, será nocivo.

Desconfiem também da afirmação “sem açúcar” ou “sem açúcares adicionados, excluindo os naturalmente presentes”. Ao olharmos para a lista de ingredientes possivelmente o vamos encontrar ainda que mascarado de “sumo concentrado de…” um fruto qualquer. O que é um sumo concentrado? Açúcar. Ponto. Além disso muitos destes produtos “sem açúcar” contêm edulcorantes artificiais como o aspartame, sorbitol, sacarina… Sabes que a sacarina é um derivado do alcatrão? Blhec!

Outra questão a ter em atenção é que muitas vezes na frente da embalagem a informação sobre a energia ou o teor em nutrientes é apresentada por porção e não por 100g. Isto implica que devemos fazer contas. Um exemplo: a bolacha (erradamente) querida por tantos nutricionistas e pediatras (!), a Maria. No rótulo da marca X vem indicado que uma porção (4 bolachas) pesa 25g e tem 20g de hidratos de carbono, dos quais 5,8g são açúcar. Em 100g são 5,8 x 4, o que dá uns assustadores 21,6g de açúcar! Ok, pensamos nós. Mas 100g de bolacha Maria são 16 bolachas. Ninguém come 16 bolachas Maria…ou come?

Também ajuda colocar a questão em termos de pacotes de açúcar, daqueles que vêm com o café, que têm cerca de 5g. Daria ao meu filho um pacote de açúcar para ele comer? Mas se ele comer quatro bolachas Maria é quase a mesma coisa. Isto quer dizer que jamais lhe darei bolacha Maria? Posso dar, mas quando isso acontecer, sei o que estou a fazer. Acho que nestas coisas da alimentação não existe perfeição mas deve existir consciência.


Outro tipo de coisas com que nos devemos preocupar, mas que não constam da informação nutricional obrigatória: gorduras trans (ou hidrogenadas) e gorduras vegetais.

As gorduras trans são resultantes do processo de hidrogenação. Este processo permite que as gorduras vegetais, normalmente líquidas à temperatura ambiente, se tornem sólidas (é assim que conseguem fazer margarina). Isto ajuda à textura do produto, além de contribuir para a sua maior longevidade. Então mas as gorduras vegetais não são saudáveis? As monoinsaturadas presentes no azeite, abacate… são. As polinsaturadas… nem todas. A maior parte dos óleos vegetais adicionados aos alimentos processados (óleo de girassol, soja, milho, canola…) são compostos por ácidos gordos polinsaturados ómega 6. Como estes ácidos gordos são quimicamente instáveis e oxidam facilmente, são considerados pró-inflamatórios. E ter inflamação não é bom para a nossa saúde.

Actualmente a facilidade de extração destes óleos e o seu reduzido preço, faz com que sejam amplamente utilizados, traduzindo-se num excesso de consumo destas gorduras. Por outro lado, o consumo de ácidos gordos polinsaturados anti-inflamatórios, os ómega 3, é reduzido, gerando um desequilíbrio a favor do ómega 6. Este desequilíbrio é também pró-inflamatório e está associado a várias doenças crónicas e até cancro. Para piorar, existem estudos que referem que o ómega 6 tem uma acção bloqueadora do efeito benéfico do ómega 3.

E em relação às gorduras saturadas, as justa (ou injustamente) demonizadas pelas Instituições que publicam as orientações nutricionais, pirâmides, pratos e/ou rodas alimentares…? Acho que merecem um artigo à parte. Como o seu teor é obrigatoriamente incluído na tabela nutricional podemos optar por não ultrapassar os 5g por 100g de produto. Mas convenhamos que hoje em dia é raro encontrar alimentos processados que sejam ricos em gordura saturada. Ao longo das últimas décadas esta foi progressivamente substituída por gorduras vegetais polinsaturadas ricas em ómega 6. Podem tirar as vossas próprias conclusões sobre esta substituição…

Também é importante olhar para os E, que são os aditivos usados na confecção do alimento. Existem centenas de E, com diferentes funções: levedantes, antioxidantes, emulsionantes, adoçantes, conservantes… No entanto embora existam alguns E “naturais” como por exemplo o E300, que é o ácido do limão, importa reter que quanto mais E na sua composição (ainda que “naturais”), mais longe o produto se encontra daquilo que se pode considerar um alimento de verdade. Então para evitar conhecer todos os E e/ou confirmá-los um a um (já há aplicações para isto!), talvez seja mais fácil (e rápido) apostar em alimentos minimamente processados.

Para além da informação nutricional, muitas marcas optam por apresentar no rótulo esquemas como o Semáforo, uma forma de facilitar a escolha do consumidor. O Esquema do Semáforo foi desenvolvido pela Food Standard Agency do Reino Unido. Eu particularmente não gosto, mas reconheço que pode dar jeito quando a escolha é feita entre processados.

Basicamente usaram os seguintes critérios: teor em gordura, gordura saturada, açúcar e sal e definiram teores baixo, médio, alto, que correspondem às cores verde, amarelo e vermelho, respectivamente.

(Fonte: https://www.merton.gov.uk/trafficlightleaflet261007.pdf)

(Fonte: https://www.merton.gov.uk/trafficlightleaflet261007.pdf)

Voltemos ao nosso exemplo da bolacha Maria da marca X.

Bolacha Maria

No Semáforo da Maria não existe logicamente um único verde (convenhamos que se existisse não seria bolacha Maria). E como vimos acima, em relação ao teor em açúcar, conseguimos perceber que é elevado sem precisar de fazer contas. No entanto, em vez de proporcionar ao consumidor uma forma prática de tomar decisões saudáveis, apenas facilita a escolha menos má entre várias más escolhas (várias bolachas do tipo Maria, por exemplo). E isto muitas vezes estampado na frente da embalagem para “evitar” que se faça a tal rotação de 180 graus e ver a lista dos ingredientes. Yeah… right…

Como vêem isto dos rótulos dá muitas “palavras para texto” e sem me querer alongar mais neste que já vai longo, sintetizo algumas das dicas que considero mais importantes quando se lê um rótulo de um produto alimentar:

  • Lista de ingredientes – não esquecer que estes são apresentados por ordem DECRESCENTE de quantidade;
  • O açúcar – lembrar que este usa vários nomes e conhecer os mais comuns;
  • Produtos “especialmente concebidos para crianças”, “sem açúcar” e afins – confirmar sempre a lista de ingredientes e verificar o teor em açúcar (idealmente deverá ser o mínimo possível mas tenta começar por menos de 15g por 100g de produto e ir baixando);
  • Informação por porção – por vezes pode induzir em erro, especialmente se habitualmente consumimos mais do que uma porção;
  • Gorduras – evitar gorduras trans e estar atento às gorduras vegetais polinsaturadas ricas em ómega 6, pois são pró-inflamatórias (continuo a achar que as gorduras saturadas merecem um artigo à parte);
  • Lista de aditivos – apesar de haver E “naturais” o melhor é evitar alimentos que os contenham;
  • Cuidado com os esquemas – Semafóros e similares apenas facilitam na hora de escolher o menos mau dos maus;
  • Não mencionei acima mas desconfiem daqueles alimentos cujo prazo de validade é muito prolongado e que se mantêm quase inalterados até ao final desse prazo (por exemplo algumas marcas de pão de forma de loooonga duração).

Posto isto, só posso desejar que façam excelentes escolhas e que se divirtam no supermercado!


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