O meu avô morreu

Foi com muito orgulho e sentido de responsabilidade que recebi este desafio da Querida Marta. Por um lado, respeito muitíssimo o seu projecto e sigo-o de coração, pelo que a oportunidade de fazer parte dele, nem que seja através das minhas palavras, é uma absoluta honra. Espero estar à altura do desafio. No entanto, o motivo e, sobretudo o que está por trás deste desafio, entristece-me profundamente e aguça ainda mais em mim esse sentido de responsabilidade. Nesse sentido, é um pouco com falta de ar que escrevo o presente texto. Para ti, Querida Marta, um abracinho apertado, cheio de amizade e carinho.

O desafio consiste em escrever um artigo sobre como falar com crianças sobre a morte de alguém querido.

Este texto centra-se na nossa cultura, uma cultura em que choramos aqueles que Partiram. Uma cultura que sente Profunda Tristeza e Saudade dos seus Amados.

Morte. Morte de alguém Amado.

Falar com uma criança sobre a Morte é um momento temido e evitado por muitos pais. Quando esse momento é antecipado pela morte de alguém querido, acresce o problema de, muito provavelmente, nós próprios estarmos a lidar com a dor dessa perda. Já não estamos apenas no abstracto, a falar de morte.

Deste modo, é importante estarmos conscientes disso, quando vamos falar sobre a morte de alguém querido com uma criança. Naturalmente que a dor está lá, quer tenhamos ou não consciência dela. Contudo, esta tomada de consciência permite ajudar-nos a discernir o que é nosso do que são os nossos medos e do que é da criança. E tudo isto são aspectos em jogo nesse momento em que vamos falar com uma criança sobre a morte de alguém amado.

No princípio era assim.

A morte é uma parte inevitável da vida. As crianças cedo percebem este facto e mais tarde ou mais cedo (usualmente muito mais cedo do que desejaríamos ou esperaríamos), qualquer criança começa a fazer perguntas sobre a morte. Recordar que a morte é uma parte da vida, tão natural quanto ter sede ou fome, ajuda a reavaliar a nossa dificuldade e a recentrar o nosso pensamento e discurso.

No entanto, ainda que natural, nunca estamos verdadeiramente preparados para ela (nem mesmo quando existe doença prolongada) e desde tempos imemoriais que o Homem chora os seus entes queridos.

Porque é tão difícil falar sobre a morte com crianças?

Por um lado, é da natureza humana, na generalidade, evitar falar de coisas que mexem connosco, que nos perturbam. Congelamo-las e guardamo-las num recanto da nossa (in)consciência, na esperança vã de assim lhes retirar existência.

Por outro lado, é frequente sentirmo-nos desconfortáveis quando não temos todas as respostas para um assunto. E sobre a morte, especificamente, quem tem todas as respostas?

Finalmente, a morte é, frequentemente, um assunto tabu, quer por ser um assunto doloroso e sem respostas, como porque na nossa sociedade, as pessoas passaram a morrer em hospitais ou isoladas em lares. A morte passou a ser algo distante, longínquo, desconhecido. Então, falar dela é (ainda mais) difícil actualmente, para uma grande maioria de pessoas.

Devemos falar sobre a morte de um ente querido com uma criança? Mesmo com crianças pequenas?

Sim. Não existe qualquer hesitação em relação a este assunto. Embora seja importante, como em todos os assuntos, adequar o discurso à faixa etária em questão.

Mesmo com crianças pequenas. Mais ainda se a relação entre a criança e a pessoa que morreu era estreita. A partir do momento em que a criança estabeleceu um vínculo com uma pessoa, a criança irá procurá-la de novo (e se o vínculo por forte, vai procurar intensamente). Não explicar à criança é assim como que deixá-la eternamente à procura, eternamente à espera. Até que desiste e conclui que foi abandonada. E embora haja um certo abandono na morte, é diferente alguém abandonar-nos ou alguém morrer. Os sentimentos de abandono deixam profundas marcas emocionais que podem ter consequências várias no desenvolvimento das crianças. Então, ainda que a sua compreensão sobre a Morte e o que isso significa, possa ser ainda muito reduzida, é melhor falar e explicar. Para além de que as coisas faladas e explicadas perdem a sua dimensão fantasmagórica, assustadora.

Por outro lado, as crianças são “esponjas” emocionais, sobretudo dos seus pais e cuidadores. Se um cuidador estiver preocupado, triste, receoso, a criança vai rapidamente perceber. Se não explicarmos porque estamos tristes, aquando da morte de alguém querido, muito provavelmente corremos o risco de a criança confirmar que foi abandonada: porque outro motivo estarão tristes os pais e todos os presentes? (falo no plano emocional, afectivo e insconsciente, nada disto é racional e efectivamente pensado pela criança).

A Morte no Desenvolvimento.

O conceito da Morte para uma criança é muito diferente da compreensão de um adulto. Para além disso, à medida que a criança se desenvolve e as suas funções cerebrais maturam, os seus conceitos sobre este assunto também vão sendo revisitados e alterados.

Porque é importante adequar o discurso e actuação à faixa etária em questão, é importante perceber como é que o conceito de Morte é compreendido e vivido nas diferentes fases.

Procurarei ser breve.

Primeiro Ano de Vida. Neste período, a morte não tem um conceito real. No entanto, é possível observar que os bebés reagem à separação dos pais e a qualquer alteração na sua rotina. Assim, embora seja, de facto, impossível realmente explicar ao bebé a morte de alguém querido, é importante saber que se o bebé tiver uma rotina ou estiver habituado a conviver diariamente com essa pessoa, então muito provavelmente ele irá reagir essa perda e a essa quebra na rotina. Para além disso, ele vai muito rapidamente captar o ambiente de tristeza e tensão que rodeia os seus cuidadores e irá reagir a isso, chorando mais e estando mais exigente e “carente”.

Dos 2 aos 3 anos. A Morte continua a ter muito pouco significado. A criança irá perceber as emoções dos que a rodeiam e irá reagir a isso, mas não terá grande capacidade de compreender os termos “morte”, “para sempre” ou “permanente”. E isso ajuda a perceber porque é que nesta fase, se quem morreu era alguém querido, amado e com quem a criança mantinha uma relação frequente, a criança irá activamente procurar a pessoa, mesmo depois de lhe ser explicado que essa pessoa morreu e que ela não a vai voltar a ver.

Idade PréEscolar. As crianças de idade pré-escolar (3-5 anos), vêem a morte como temporária, reversível e impessoal. Este facto é reforçado até pela sua realidade: nas

histórias que lhes lêem ou que elas vêem na televisão, nos videojogos, etc., as personagens voltam a viver, depois de serem mortas. No entanto, é nesta idade que começam a perceber que os adultos temem a morte.

Dos 5 aos 9 anos. Entre os cinco e os nove anos, com o desenvolvimento do pensamento lógico, a maioria das crianças começa a perceber que todos os seres vivos acabam por morrer e que a morte é definitiva. Contudo, continuam a não relacionar a morte consigo e a considerar que podem escapar dela. Algumas crianças têm pesadelos com a morte, nesta fase.

Dos 9 à Adolescência. Neste período, as crianças começam a compreender plenamente que a morte é irreversível e que elas também morrerão algum dia.

Contudo, é importante relembrar, que cada criança é um ser único e, como tal, se desenvolve de forma única. Para além disso, cada criança tem uma forma pessoal de expressar e lidar com as suas emoções.

Então, como poderei melhor falar com uma criança sobre a morte?

Numa primeira fase é importante comunicar o acontecimento e explicar o que isso significa e implica. Então, embora saibamos que actividades lúdicas são excelentes para trabalhar conteúdos difíceis com as crianças, é importante que numa primeira fase falemos efectivamente sobre o assunto.

Então, como melhor o fazer?

Prepare-se. Em primeiro lugar, reflicta sobre as suas próprias questões, medos e receios. É importante estar consciente de SI, antes de ir falar com outra pessoa, mais ainda com crianças. Depois, informe-se brevemente sobre as características do pensamento e raciocínio das crianças na fase desenvolvimental em questão. Finalmente, com estas informações, estabeleça um plano daquilo que quer dizer e como, de forma a que quando falar com o seu filho/a, tenha claro na sua cabeça aquilo que pretende dizer.

Seja preciso/a. Tenha em atenção a linguagem que utiliza. Dizer que o avô “partiu”, “dormiu para sempre”, etc., confunde mais do que ajuda, e pode provocar, inclusive, alguns receios (“partiu, mas pode voltar?” “então eu posso não voltar quando for domir? E tu?”). Utilize linguagem precisa, mesmo que lhe soe dura, difícil ou cruel. As crianças

são bastante literais na interpretação das coisas que lhes dizemos. É importante ser preciso, para que percebam o que lhes queremos dizer.

Seja Verdadeiro. As crianças facilmente percebem quando mentimos, mesmo quando o fazemos com amor, para sermos simpáticos e as poupar a algum tipo de sofrimento (e.g., dizer que a morte é sempre algo pacífico ou que só ocorre na velhice). As pequenas mentiras podem causar, na verdade, mais inquietação do que alívio. É preferível dizer algo do tipo: “Não sei responder a isso” ou “a maioria das pessoas morre de velhice (e depois tranquilizar: espero que nós vivamos por muito tempo!)”, do que mentir.

Seja claro/a. Fale de forma simples, curta e “científica”. As crianças pequenas, até aos 5/6 anos de idade raciocinam de forma concreta. Assim, até essa idade é melhor falar sobre a morte como uma mudança nas funções da pessoa (e.g., “como o gatinho morreu, já não vai conseguir andar, comer, etc. mais” ou se houver uma doença na família “quando a avó morrer, vai deixar de respirar e não vai mais conseguir ver, falar ou sentir nada”).

Seja breve. Evite providenciar demasiada informação. Dê uma ou duas ideias simples e veja se a criança ficou satisfeita com a explicação dada. Se ela precisar saber mais, ela própria perguntará.

Seja tranquilizador/a. À medida que for providenciando informação, procure ir confortando e tranquilizando a criança. É muito frequente que quando falamos com uma criança pequena sobre a morte, ela nos pergunte se também nós vamos morrer. Geralmente, esta questão prende-se com esta necessidade de conforto e tranquilização. Podemos responder a essa questão da seguinte forma: “não espero morrer em breve nem durante muito tempo. Conto estar aqui para ti enquanto precisares de mim, mas se algo me acontecer há muitas outras pessoas que cuidarão muito bem de ti, como o/a pai/mãe, tio/a, avô/avó, etc.”.

Fale de Emoções. É muito importante que explique e fale das emoções ligadas à Morte. Pode e deve falar das suas, de como se sente. Explique também que é natural que a criança se vá sentir triste, confusa, às vezes zangada (muito frequente tanto em crianças, como adultos, sobretudo em mortes súbitas e inesperadas – mais do que as restantes) e que tenha

vontade de chorar e precise de mais carinho. Diga-lhe que está presente e disponível. E esteja.

Tenha em conta a fase desenvolvimental do/a seu/sua filho/a. Consoante as idades, as crianças podem não conseguir perceber o conceito de morte na sua totalidade. Não perceber que é irreversível, que é eterno e permanente. Não se zangue ou impaciente com isso. É apenas natural. Aceite as suas dificuldades e ajude/o a continuar a perceber (repita quantas vezes for necessário).

Espere. Depois de ter falado com a criança, ela pode querer afastar-se e ir brincar. Deixe-a. Quando ela voltar para junto de si, pode verificar como está, se percebeu o que foi dito e se tem perguntas. Não seja demasiado exaustivo nesta questão. As crianças usualmente aceitam melhor a morte como algo natural da vida e não são capazes de fazer o filme mental das oportunidades perdidas na vida futura (como que o avô não os vai ver crescer, casar, etc.). Espere pelas perguntas da criança. Não imponha as suas respostas e questões.

Responda e Repita. Procure responder a todas as questões da criança da mesma forma que a informou e explicou sobre a morte: de forma simples, clara, verdadeira, curta, etc. É natural que a criança venha a repetir as mesmas questões várias vezes ao longo dos próximos dias e tempos. Continue sempre a responder. As crianças aprendem muito por repetição. Ouvir a mesma explicação várias vezes ajuda a criança a compreender aprofundadamente todas as implicações. É exactamente o mesmo que quando uma criança repete uma mesma brincadeira dias após dias: está a aprender, aperfeiçoar e compreender melhor um qualquer assunto.

Aceite. Aceite qualquer reação da parte da criança. Algumas crianças não vão ligar e vão seguir com a sua vida como até aí. Outras vão ficar tristes. Outras vão ficar caladas e pensativas (e talvez mais tarde colocar questões). Outras vão fazer mil perguntas (e repeti-las eternamente). Qualquer uma destas reações é adequada e depende sobretudo do temperamento e personalidade da própria criança. Muitas das suas emoções e pensamentos e dificuldades poderão sair apenas na brincadeira (Leia abaixo sobre isso). Aceite apenas.

Observe. É natural que no período posterior à perda, a criança fique mais exigente, carente, ou que experiencie períodos de ansiedade de separação. Podem também aparecer mudanças ao nível do controle dos esfíncteres e dos padrões de sono e alimentar. Usualmente estas mudanças são temporárias e irão desaparecer gradualmente com o tempo. Se lhe parecer (ou tiver dúvidas) que estas alterações ou reações são muito intensas e agudas, ou demasiado prolongadas no tempo, procure ajuda para compreender como poderá melhor fazer para ajudar a criança a lidar com esta perda e as suas emoções. Pense no mesmo para si e restante família.

Seja empático/a, carinhoso/a e disponível. Ofereça o seu amor e carinhos incondicionais. Ofereça um abraço. Mime a criança e delicie-se com ela (ainda mais) nos próximos tempos. É terapêutico para ambos. Esteja disponível para as suas questões, reações e necessidades.

Brinque. Uma das melhores formas de explicar assuntos às crianças e as ajudar a melhor compreender conceitos é através do jogo e do brincar. Através das actividades lúdicas a criança exprime as suas emoções e experimenta diferentes formas de reagir e lidar com as situações. Sente-se com a sua criança e experimente brincar com ela, com bonecos, fantoches, etc. Não imponha o tema, deixe-se guiar pela criança, junte-se à brincadeira. No entanto, não evite, nem tente parar reações e respostas mais destrutivas ou violentas da parte das personagens. Essa pode ser a única forma que a criança encontrou para ventilar as suas emoções negativas. E ela precisa disso. Aceite.

Leia ou conte histórias. Ler ou contar histórias é outra excelente actividade para trabalhar conteúdos difíceis. Mascarados num ambiente seguro, de intimidade e carinho, numa actividade prazerosa e lúdica, os temas difíceis emergem de forma segura e são, desta forma, mais facilmente trabalhados. Procure livros ou histórias sobre este assunto, ou, se for criativo/a, invente as suas próprias histórias, e leia-as/conte-as ao seu/sua filho/a.

Posso chorar e estar triste à frente da criança? Chorar é uma reação natural à dor e perda. A morte de um ente querido é dolorosa. É normal estar triste. É normal exprimir essa tristeza. Queremos ensinar isso aos nossos filhos. A melhor forma que temos de o ensinar, é nós próprios nos deixarmos entristecer e chorar, se estivermos tristes: “Estou a

chorar, porque estou muito triste, porque X morreu e eu gostava muito dele/a. Não faz mal ficar triste”. Permita-me sentir e exprimir. Fale disso e explique à criança as suas emoções e reações. Se sentir que elas estão demasiado intensas e que está a ter dificuldade em lidar com elas, procure ajuda profissional.

Algumas ideias específicas para as diferentes fases desenvolvimentais.

Dos 0 aos 2 anos. Refira o ocorrido, sem grandes explicações. É importante referir o ocorrido, mesmo que o bebé não seja capaz de compreender racionalmente. É sempre importante nomear e falar com os bebés sobre os acontecimentos. Isso ajuda-os a compreender melhor as emoções no ar e também o/a ajuda a si a regular, compreender e trabalhar as suas próprias emoções e, dessa forma, estar mais disponível para o bebé. De resto, procure manter as rotinas o mais intactas possíveis. As rotinas são protetoras para os bebés. Evite separações e providencie atenção física extra, para confortar a criança e aumentar o seu sentido de segurança.

2 Anos. Mantenha os cuidados acima. Contudo, nesta faze a criança já tem muita linguagem receptiva, pelo que compreende muito (senão tudo) do que lhe é dito. Mesmo não seja capaz de compreender totalmente o conceito, compreende o sentido geral. Desta forma, nesta fase deve, para além de nomear o ocorrido, procurar providenciar uma explicação muito curta, precisa, simples e precisa..

Dos 3 aos 5. Prepare-se para explicar muitas vezes o conceito de morte. Explique tal como anteriormente explicitado, mas prepare-se para que a criança não consiga compreender totalmente a irreversibilidade e, portanto, que lhe pergunte quando é que a pessoa que morreu vai voltar. Também é natural que não compreenda a totalidade das implicações e portanto é natural que lhe pergunte porque é que está triste, ou a chorar, etc. Se for religioso/a, tenha em mente que as crianças nesta fase têm um pensamento concreto, pelo que uma explicação religiosa ou espiritual pode não ser suficiente.

As crianças desta idade nem sempre conseguem nomear e compreender as suas emoções, pensamentos ou medos. Estes saem, usualmente, através de brincadeiras e jogos. A brincadeira é a linguagem das crianças desta idade. Deixe a criança brincar sobre qualquer tema e junte-se a ela.

A partir desta idade. Continuar a seguir as recomendações acima. Crescentemente as crianças irão melhor conseguir compreender o conceito de Morte, mas também crescentemente vão surgindo mais perguntas e mais complexas. Responsa sempre, de forma verdadeira, sincera, simples e clara. Ofereça várias oportunidades para falarem sobre o assunto. Não escarneça ou ridicularize nenhuma emoção, pergunta, ou pensamento que a criança ou adolescente lhe fizer.

Resumindo.

Uma criança em luto necessita receber informação clara e compreensível ao seu nível desenvolvimental. Necessita ser tranquilizada e confortada. Necessita saber e sentir que está a salvo e que é amada. Necessita saber que tem direito de se sentir como bem entender e que pode falar com um adulto de confiança, de forma aberta. Finalmente, necessita manter as suas actividades e interesses pessoais e, regularmente, revisitar as suas questões e dúvidas. Aceite, esteja disponível e receba.


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