Rute, Eva, Sara, Samuel e José

O [nosso] parto em casa…

Ao longo de 35 longas semanas, a dúvida mantinha-se: Onde, como e de que forma ia nascer a minha criança?

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Sou uma mãe com duas cesarianas prévias, uma por sofrimento fetal, após uma indução em 2008 e outra por febre intra-parto em 2010, neste entrei em trabalho de parto naturalmente e levei epidural perto dos 5/6 cm, mas a febre e o procedimento hospitalar não me deixaram evoluir.

Desta vez ninguém me ia tirar a oportunidade de fazer nascer o meu filho! Isso já eu tinha decidido bem antes de estar grávida.

As pesquisas sobre um VBAC2 começaram logo depois do parto da minha segunda filha, mas foi no dia que veio o positivo que me apliquei em força. Eu não queria passar por outra intervenção cirúrgica (cesariana) sem verdadeira necessidade. Sei que em Portugal o procedimento dita que após duas cesarianas a terceira é garantida… mas eu sabia que noutros países, noutras realidades isto já não se aplica, ou seja uma grávida/gravidez de baixo risco pode ser candidata a parto normal.

Li, pesquisei imenso, em sites internacionais, em sites de maternidades estrangeiras, li artigos e estudos em bibliotecas médicas. Falei com Obstetras de outros hospitais, enfermeiros que trabalham no hospital onde, supostamente o meu bebé poderia vir a nascer.

Era preciso avaliar o risco de rutura uterina, era preciso perceber o quão alto ele era na realidade, já que a minha GO não sabia quantificá-lo. E eu não queria de forma nenhuma pôr em risco as nossas vidas, a segurança tinha de vir em primeiríssimo lugar.

Foram largos meses nisto. Às 22 semanas, surge o primeiro encontro com o enfermeiro que me assistiu no parto em casa. Onde nos explicou imensas coisas, retirou-nos algumas dúvidas, garantiu ser perfeitamente possível o parto via vaginal e em casa se assim o entendêssemos, mas o meu marido veio de lá com a ideia de que parto em casa: NÃO!

Confesso que não insisti durante largas semanas, e deixei a ideia amadurecer na cabeça dele. Fui comentando de artigos que ia lendo, apenas e só!

Ao longo da gravidez as consultas com a GO acabavam quase sempre no mesmo: cesariana por procedimento e possível laqueação… esta última assustava-me ainda mais que a primeira. Até porque sei que há casos em que a intervenção foi feita sem consentimento. E não era assim tão difícil justificarem-na, bastaria que alegassem que os tecidos do meu útero não suportavam nova gravidez ou algo do género.

A ideia de ter o meu bebé num apartamento não me agradava muito, gostava imenso de ter uma casinha simpática, onde nós pudéssemos estar mais confortáveis, caso eu viesse a decidir ter o bebé em casa. E eis que às 33 semanas, essa oportunidade surge. Uma moradia, perto da cidade e a 10 minutos do hospital, dentro dos valores que podíamos arrendar. Na minha cabeça tudo se estava a alinhar para que o parto fosse mesmo domiciliar.

Mudanças feitas. O tempo foi passando, fomos garantindo que a gravidez se mantinha de baixo risco e que realmente o parto em casa poderia ser viável. Às 35 semanas, assumi que sim, que seria em casa, acompanhada pelo enfermeiro mais maravilhoso que conheci até hoje, e por uma doula, que não podia deixar de ser a primeira que conheci e pela qual me “apaixonei” já em 2009!

Reunidas as condições, equipa e local escolhido, toca de esperar pelo dia “P”. Aquele dia que me levaria a conhecer as verdadeiras capacidades do corpo, da natureza e da minha essência enquanto mulher.

No dia 17 acordo por volta das 5h30 da manhã com uma contracção com dor, ignorei e adormecei. Passados uns 30 minutos, outra! Levantei-me logo e assumi ser um sinal forte de que algo ia mudar nos próximos dias… durante esse dia continuei assim, umas com dor, outras sem, mas tudo sem ritmo.

Na noite de 17/18, dormi mal, muitas contracções, umas doíam, outras não, mas a maioria fazia-me acordar. Passei o dia a tentar perceber-me e à noite liguei à minha doula que se prontificou a vir para junto de mim. Liguei igualmente ao enfermeiro que me disse logo para ir avaliando e assim que elas ganhassem ritmo e estivessem de 5/5 em minutos para avisar que ele viria.

Pedi aos meus pais para virem buscar as meninas, não queria que elas assistissem ao parto, para mim não faria qualquer sentido. Até porque elas são muito pequenas e não iriam entender porque a mãe ia ter dores ou algum tipo de desconforto. Acredito que eu mesma também não teria paciência para lhes dar atenção caso precisassem.

O marido foi então proceder à limpeza e enchimento da piscina, que ainda não o tínhamos feito. O lugar escolhido foi o nosso quarto. E a ideia inicial era o bebé nascer lá, na piscina ou fora dela! O quarto era o local escolhido.

A noite foi passada entre contracções, já todas com dor, mas sempre sem ritmo, ora tínhamos uma hora completa de contracções de 10/10, ora abrandava e passavam a 20/30 minutos de novo. A certa altura a doula disse para ir descansar e elas abrandaram por completo. Na manhã seguinte sugeriu-me um longo passeio a pé… e lá fomos. Na volta o enfermeiro veio fazer avaliação do meu estado. Para meu desânimo um cm de dilatação, mal medido, apenas! Era possível que estivéssemos sobre um falso trabalho de parto e isso desanimou-me imenso. Não podia ser, pensava eu!

A conselho dele resolvi descansar o resto da manhã e ambos saíram. A ideia era de tarde ir dar um passeio à praia com o marido, mas isso já não aconteceu.

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Por volta das 15h, coloquei dois bancos almofadados em frente ao meu sofá, sobre eles um édredon e uma almofada bem alta e debrucei-me, assim aliviava as dores das contracções e descansava no intervalo delas. Usando um aplicativo para o telemóvel fui contabilizando os tempos e a frequência delas.

Comecei a falar comigo mesma, com o meu corpo e com o meu bebé. A imaginar o meu colo a abrir e o bebé a descer/encaixar… comecei a dizer ao bebé para descer e fazer o trabalho dele que eu ia fazer o meu e breve nos íamos conhecer, passei largas horas nisto. Comecei a notar contracções ritmadas de 8/8 minutos, agora sim entrava em trabalho de parto efectivo… depois de 5/5 por volta das 20h, liguei para a doula (a medo!) pois estava com receio de a fazer vir e tudo abrandar de novo. Liguei ao enfermeiro que disse que ia começar a arrumar as coisas para vir. Passado uma hora chega a doula e as contracções já estavam de 3/3 minutos e algumas com duração de 1:30.

Ligo de novo ao enfermeiro que sugeriu ir para a piscina e relaxar. Sentia uma dor enorme nos rins sempre que a contracção vinha e a única forma de lidar com ela era com massagem/pressão. A doula e o meu marido foram incansáveis nisso, iam massajando a zona e eu sentia um enorme alívio e conforto.

O enfermeiro chega, avaliação feita e 5 cm completos, confesso que esperava mais, estava ansiosa para conhecer o meu bebé… mas continuámos a relaxar na água, eu e o meu marido, num ambiente a média luz, só nós, ele conta que no intervalo das contracções eu relaxava de tal forma que adormecia por completo, e isso aconteceu até na piscina, tendo ele de me segurar enquanto eu dormitava. Sinceramente não me recordo. Há partes que não lembro mesmo.

A determinada altura achamos que as contracções teriam abrandado e foi sugerido que saísse da água, embora eu mesma estivesse já com esse desejo.

Desci e voltei para o meu lugar refúgio, os bancos e as almofadas… nisto uma vontade única de fazer força, como eu nunca tinha sentido na vida… e comento isso mesmo. Nova avaliação e voilá 8 cm. Passou tão rápido, porque recordo-me que não estivemos muito tempo na água.

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Confesso que nesta fase, eu achava que as minhas costas me iam “matar”, aquelas dores sobre os rins eram difíceis de se lidar sem massagem/pressão naquela zona. Nesta fase eu tentava imaginar-me na minha cama, deitada em lençóis brancos com o meu bebé já nascido e a descansarmos… imaginava estar naquele conforto delicioso. E assim tentava abstrair-me.

Mais uns minutos e dilatação completa. Nesta altura era preciso fazer força, porque o bebé estava mal posicionado, era preciso rodar para a posição certa… havia ainda um longo trabalho da parte dele a ser feito. Foi-me questionado onde eu queria que o bebé nascesse, e para mim já nada importava podia ser mesmo ali, no sofá da sala. Já nem pensava na piscina, nem no quarto, nem em nada… queria fazer nascer o meu bebé.

Estive algum tempo nesta fase, era preciso fazer força para o ajudar a rodar. A determinada altura, o enfermeiro resolveu dar uma ajuda o que para mim foi uma bênção e rapidamente cheguei à parte em que tinha de fazer força mas para o fazer nascer. Força que eu não sabia ser capaz de fazer, daquela força que nós temos não sei onde… foi mesmo essa que fez o meu bebé nascer de uma só vez à quarta contracção!

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O bebé veio logo para o meu peito… coisa maravilhosa. Pude senti-lo logo em cima de mim, ainda ensanguentado, ainda cheio de vernix, ainda com aquele cheiro tão próprio, tão característico de um bebé acabado de nascer. Senti um prazer que nunca tinha sentido. Após o cordão acabar de pulsar foi cortado, aqui não sei por quem, porque o meu marido não quis, e sinceramente, por muito que me esforce não me consigo recordar. Enquanto mimava o meu bebé levei meia dúzia de pontos.

Assim ficámos os dois o resto da noite, coladinhos, eu e o meu filho, despidos, a sentir o calor um do outro, o cheirinho, a desfrutar do toque pele com pele.

Apenas nos afastámos uns minutos para ser pesado.

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Foi lindo, foi mágico, fiz nascer o meu filho! Vê-lo ali, assim saído de mim, e por mim, foi a sensação mais maravilhosa do meu mundo… naquele dia, sem dúvida… NASCEMOS OS DOIS!

Na manhã seguinte, subi para a minha casa de banho, sem dúvida um outro conforto e vantagem de estar em casa. Tomei um banho relaxante com a ajuda e vigilância do meu marido. E pude finalmente descansar na minha cama com o meu bebé. Não mais fui tocada, observada ou mexida desnecessariamente e isso agradou-me. A doula que tinha dormido de novo connosco, vestiu o bebé e deitou-o juntinho a mim. Ajudou o meu marido naquilo que ele precisou e depois saiu, deixando-nos aos três sozinhos para o nosso merecido descanso e retiro familiar.

Fui tão amada, acarinhada e respeitada o tempo todo. Pude movimentar-me, adoptar outras posições mais confortáveis para alívio da dor. Pude beber líquidos (água e chás) e comer. Estive sempre activa. Não me foi feita episiotomia. Não fui tocada sem que eu o desejasse também. O meu bebé não teve de passar por todos aqueles procedimentos típicos que nos afastam em ambiente hospitalar e em nada contribuem para o seu bem-estar, como sejam as aspirações, limpezas, vestir e aplicação de soluções medicamentosas.

Ao quarto dia o enfermeiro veio ver-nos. Fez o teste do pézinho ao bebé e medi-o. Trouxe o livrinho oficial do bebé e o documento do nascimento para procedermos ao seu registo. E assim terminou a nossa deliciosa aventura.

Com o meu relato quero dizer que um parto via vaginal após duas cesarianas é perfeitamente possível, sendo, portanto uma gravidez de baixo risco. Em casa também é uma possibilidade a considerar, mas há variáveis que é preciso avaliar, convém procurar ajuda de um profissional que vos possa esclarecer e orientar.

Nunca em momento nenhum senti dor ou qualquer desconforto na cicatriz.

Quando me perguntam quais as razões que me levaram a optar por um parto domiciliar, eu digo que são muitas, mas a mais importante foi, sem dúvida a busca pelo respeito por mim e pelo meu filho. O respeito pela minha vontade. Busquei um respeito que em ambiente hospitalar eu não teria, pelo menos não dentro do que eu considero respeito pelo parto e pela sua fisiologia.

Foi muito importante para nós ter uma doula. O apoio emocional, psicológico e toda a ajuda que ela nos prestou, foi simplesmente fantástico, todas as mulheres deviriam ter uma no seu parto. Sentir que tínhamos alí alguém que não só conhecia a fisiologia do parto, mas também já tinha passado pelo mesmo, sabia identificar cada um dos meus sinais, sabia orientar-nos para aliviar a dor e nos deixar mais confortáveis. Uma presença imprescindível sem dúvida.

Durante todo este processo temi pelo meu marido. Conheço a sua fraqueza em lidar com sangue vivo, mas ele conseguiu surpreender-me e surpreender-se a si mesmo. Diz que apenas se sentiu mal quando me viu ser cozida. Sentiu o chão fugir-lhe dos pés. De resto durante todo o tempo ele esteve à altura. Acho que depois deste “tratamento” está apto a virar enfermeiro.

Quanto à dor. Toda a gente me pergunta como lidei com ela. E o que eu digo é que se nos mantivermos activas durante o trabalho de parto, tivermos um bom suporte emocional e psicológico (doula e o marido por perto), formos variando as posições e tentar procurar conforto explorando as ordens do nosso corpo, posso afirmar que não é assim tão difícil de lidar com ela. Claro que também passei pela fase em que achava que não ia conseguir, mas lá estavam aqueles três corações para me encher de coragem o tempo todo.

Afinal nós somos capazes de fazer isto. Basta acreditar em nós mesmas e na nossa capacidade de fazer nascer os nossos filhos.

No que diz respeito aos pontos, foi fantástica a recuperação, não senti absolutamente nada, sempre me sentei e mexi muito bem, tanto que ao 4º dia eu já me sentava à “chinês”. Obrigada António pelo excelente trabalho e sei bem, que não foram só meia dúzia de pontos.

Hoje sinto-me feliz pela minha escolha e se houver uma “outra vez”, será com certeza, desta forma.
Texto e fotografias por Rute Marques.


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