Emanuel, Filipa, Miguel e Leonor

Nota: este relato foi escrito em duas partes. A primeira, pouco depois do Miguel nascer. A segunda, quase cinco meses depois.

Foi só há 25 dias atrás que a aventura começou. Ou talvez não… Talvez deva escrever que foi há 26 ou 27… Também não seria, de todo, errado, se dissesse que foi há 2 meses ou há 3. Na realidade, nunca saberei precisar quando é que o trabalho de parto do Miguel começou, porque parece que durou nove luas ou 39 semanas – para ser mais exata – e, quanto a mim, desde que ele foi concebido, fui parindo aos poucos.

Um trabalho de parto tão rápido e tão demorado merece que passe em revista 9 meses de vida.

A gravidez do Miguel foi muito desejada – tal como tinha sido a da irmã, dois anos antes, e a do bebé que não chegou a ter nome porque partiu às 6 semanas de gestação, 3 meses antes, a 27 de Maio de 2013 (não deixa de ser curioso como um ciclo se completou quando o Miguel nasceu, no dia 28 de Abril de 2014).

O início foi muito atribulado, com direito a várias perdas de sangue e algumas idas às urgências para confirmar que tudo continuava bem. Até às 12 semanas foi um sobressalto constante de que esta gravidez pudesse terminar, novamente, num aborto espontâneo. Por outro lado, os vómitos e náuseas, também eles constantes, não me deixavam duvidar de que desta vez tudo corria bem.

Não posso deixar de referir, a este ponto, que a amamentação da Leonor terminou por esta altura, ao fim do primeiro trimestre, quando ela completou dois anos. Mais ou menos natural, quando ela deixou de pedir, mas incentivada por mim por conta da ameaça de aborto. E foi um processo pacífico, que terminou de forma tão apaziguada, que nem posso precisar o dia em que isso aconteceu.

A última perda de sangue que tive foi às 9 semanas. Algures por esta altura começaram as moinhas, as dores no fundo das costas, que ainda não tinham nome. Com o passar das semanas foram-se intensificando e, algures pelas 15 semanas, já lhes chamava contrações. Não sentia a barriga ficar dura, ainda, mas as dores eram como dores menstruais e iam e vinham de forma mais ou menos regular como as contrações. Eram contrações! Mas… contrações às 15 semanas?!? Ninguém tem contrações às 15 semanas – pensava eu.

Toda a experiência de gravidez estava a ser diferente, parecia que o meu corpo tinha envelhecido mil anos e já não aguentava outra. As varizes, que apareceram logo às 5 semanas, pioravam de dia para dia e doíam; as náuseas e vómitos que só foram embora lá pelas 20 semanas ou mais; a ansiedade do tempo que não passava – aumentada pelas contrações que eram, praticamente, diárias e o medo de uma perda tardia ou de um parto prematuro assombrava. E depois, lá pelas 25 semanas, as dores na bacia e virilhas que, mais tarde, vim a saber também terem um nome: disfunção da sínfise púbica. As dores nas costelas e costas que, da primeira vez, só tinham surgido na reta final, chegavam agora ainda antes do terceiro trimestre se iniciar. A azia que me queimava toda por dentro por longos meses… E mais contrações, que me levaram às urgências, também, algumas vezes. A certa altura do último trimestre de gravidez, comecei a aceitar aquelas contrações como uma preparação para o nascimento do Miguel – verdadeiras aulas de preparação para o parto, que me foram ensinando a suportar melhor a dor.

Às 36 semanas, tive a primeira consulta no Hospital; já estava com 1,5 cm de dilatação. Comecei a mentalizar-me que ele viria mais cedo do que o esperado pela DPP (5 de Maio). E veio mesmo! A noite de 26 para 27 de Abril foi passada com contrações, à semelhança do que já tinha acontecido noutras noites/madrugadas, que se foram mantendo ao longo do dia 27 – mas ainda muito irregulares e dentro do registo habitual, em termos de intensidade. Nessa noite, antes de me deitar, comecei a sentir uma certa “ansiedade” e medo por causa das dores que poderia sentir durante o trabalho de parto e comecei a intuir que estaria mesmo muito próximo. Foi nessa altura que o senti mexer-se bastante e encaixar mais.

O marido adormeceu em dois segundos, eu demorei mais algum tempo. As contrações estavam a ficar mais intensas, mas não me preocupei muito com isso. Passar toda uma gravidez com contrações há-de servir para alguma coisa: foi um valente treino, uma verdadeira preparação para o parto. Acordei levemente algumas vezes e percebi que as contrações estavam mais dolorosas do que o costume. Não me lembro se as cheguei a cronometrar (agora à distância de quase cinco meses volvidos!), mas acho que não.

Por volta das 6h da manhã levantei-me para ir à casa de banho (o intestino já andava em limpezas há alguns dias). Nessa altura percebi que estava com contrações mais intensas. A Leonor acordou e o meu marido foi buscá-la ao quarto. Contei-lhe em que ponto estava e voltámos para a cama. Rapidamente percebi que o trabalho de parto ia mesmo avançar. Já estavam com um intervalo mais ou menos regular de 4 em 4 minutos. Permaneci deitada ainda algum tempo (15 minutos, talvez) junto da minha Leonor e marido – que bem que soube. Progressivamente deixei de me sentir confortável deitada e sentei-me. Nessa altura pedi ao meu marido para chamar os tios para virem buscar a Leonor e ele foi fazer telefonemas para a família e para o chefe a avisar que não iria trabalhar e vestir a menina.

Migrei para a bola de pilates. A Leonor percebeu logo que algo se passava. A mamã estava mais queixosa do que o habitual, mas ela permanecia serena e curiosa. Por volta das 6:45h chegaram o tio e a tia. A minha cunhada veio dar-me um beijinho e desejar-me um bom parto. Apesar de não parecer nada, eu já estava em pleno trabalho de parto! Foram embora e parece que tudo se desenrolou ainda mais depressa. O meu marido perguntou-me o que eu queria/precisava. Fez-me um chá de camomila com mel (não sou nada apreciadora de chás, mas apeteceu-me) e trouxe-me umas bolachas que eu comi a muito custo – só por saber que precisava de comer qualquer coisa. Permaneci na bola em movimentos livres, conforme me sentia bem. Pedi-lhe que me fizesse massagens na cabeça com aqueles pentes fininhos próprios. Que bem que soube!!!! Nas contrações apertava-lhe a mão e a colcha da cama, que estava mesmo à minha frente. Ainda nos rimos por causa das tentativas de contar intervalos entre contrações com uma aplicação do tablet instalada à pressa. Estavam para aí de 3 em 3 minutos. O meu marido ainda “gozava”, avisando-me quando é que ia começar a próxima e quase sempre batia certo.

Tinha-lhe dito que só queria sair de casa depois das 10h – teria sido interessante, já que o Miguel viria a nascer às 8:35h.

Entretanto ele deve ter percebido que estava tudo avançado e perguntou-me se eu me importava que fosse tomar banho. Disse-lhe que podia ir. Soube-me bem recolher-me um bocadinho com o meu bebé. Visualizá-lo. Olhar para o berço dele na outra ponta do quarto e imaginá-lo ali deitado em breve. Continuar a bebericar do chá. Vocalizar com as contrações – algo que, inicialmente, comecei por fazer mais ou menos intencionalmente, mas que depressa se tornou natural. Em algumas contrações fechava os olhos e ficava em silêncio, a sentir aquela dor pujante, noutras vocalizava de forma suave e noutras focava-me num ponto e gemia. Lembro-me de pensar algo como: “o trabalho de parto não é brincadeira nenhuma; é um trabalho árduo”.

Comecei a sentir que precisava de sair da bola. Fui à casa de banho ter com o marido e soube logo que precisava de me sentar na sanita. Ele saiu e eu entrei na banheira, à semelhança do que fiz no trabalho de parto da Leonor, com água quentinha (provavelmente quentinha de mais do que o recomendado, mas era assim que me sabia bem). Deviam ser umas 7:15h. Foi um trabalho para encontrar uma boa posição. As banheiras de casa não são propriamente espaçosas, menos ainda para uma grávida em trabalho de parto – em plena fase de transição, calculo eu, agora, à distância. As contrações estavam já a irradiar para as pernas e eu pedi ao meu marido para as massajar. Permaneci ali algum tempo, cerca de 20 minutos. Acabei por me levantar e encostar-me contra a parede da banheira, de pé, numa posição meio agachada, joelhos um bocado fletidos e, nessa altura, pedi-lhe para ver se era visível a linha púrpura. Homens percebem lá disto! Disse-me que não via nada e eu convenci-me que devia estar ainda a meia dilatação, apesar da posição adotada ser, claramente, favorável de um encaixe e descida do bebé na pélvis.

Decidi que tinha de sair do banho pois não me estava a sentir muito bem. Atribuo esta sensação de fraqueza à temperatura da água e, talvez, ao facto de não ter conseguido comer praticamente nada. Talvez uma descida momentânea da pressão arterial e/ou da glicémia – algo que, também, foi bastante comum ao longo da gravidez. Saí. A água ajuda bastante, mas ter filhos dentro de água não é para mim. Ainda consegui ver a boiar aquilo que parecia ser um bocadinho do rolhão mucoso.

No quarto, pus-me de gatas sobre a cama e a sensação de cabeça zonza permanecia. Foi aqui que senti algum medo de que algo não estivesse bem. De tudo o que se espera sentir num trabalho de parto, este não é um dos sinais, seguramente. Perguntei ao meu marido as horas (a única vez em que perguntei, tudo o resto são estimativas): 7:45h foi o veredito. ‘Ok – pensei – falta imenso para as 10 horas!’ Na minha cabeça, por algum motivo, sair de casa antes das 10 horas significava que iria sair demasiado cedo para o que eu desejava – um trabalho de parto todo em casa e chegar ao hospital com dilatação total. ‘Bem, pelo menos espero chegar com a mesma dilatação com que cheguei no parto da Leonor’ – pensei (4 cm de dilatação, para quem não se lembra ou não teve oportunidade de ler o outro relato). O facto das contrações estarem muito intensas, prolongadas e pouco espaçadas, dizia-me muito pouco, já que o trabalho de parto dela foi todo assim.

Vesti-me com a ajuda do marido: as mesmas calças de fato de treino que tinha vestido no parto dela, curiosamente. E tudo se desenrolou, igualmente, de manhã, embora 2 horas mais cedo. O dia tinha amanhecido com muitas nuvens, também. Muitas semelhanças com o dia 1 de Novembro de 2011, este dia 28 de Abril de 2014. Mas não, não cheguei com 4 cm de dilatação ao hospital!

Fui esperá-lo à entrada de casa, enquanto ele pegava em tudo o que faltava, inclusive nas nossas malas. Debrucei-me, tal como há, precisamente, 2 anos e meio atrás, sobre o móvel aparador que tenho em frente à porta. Nesta altura comecei a sentir imensa pressão no pavimento pélvico junto com as contrações. Já estava mais lá do que cá. Aquilo a que chamam “partolândia”, acho que também estive lá.

Saímos de casa e seguimos para o elevador que dá acesso à garagem. Debrucei-me sobre mim própria com os joelhos meio fletidos, ali mesmo, à espera que a contração parasse, esperando que nenhum vizinho aparecesse. Nesta fase a sensação de desmaio já tinha desaparecido há imenso tempo, mas eu já nem me lembrava disso. Queria seguir para o hospital e, se calhar, até era capaz de pedir uma epidural porque já não aguentava mais! Uma porta abriu-se e eu, literalmente, fugi para dentro do elevador. Isto filmado tinha imensa piada… Já no carro, decidi ir para o banco de trás. Não fazia ideia de como me acomodar com aquelas contrações que quase não tinham intervalo entre si e que duravam para ai 1 minuto. Tentei de gatas. Mas mal o carro se pôs em andamento percebi que não era, de todo, uma boa posição para estar num carro em marcha! Por isso fui-me remetendo a um meio sentada, meio de cócoras, meio deitada, meio-sei-lá-o-quê.

Lembro-me de olhar para o relógio do carro e das contrações estarem de 2 em 2 minutos. Pouco passava das 8 horas. A pressão aumentava a cada contração, e às tantas, na A4 (que liga a nossa casa ao hospital em 10 minutos), já estava a fazer força de forma involuntária. Lembro-me de olhar para o meu marido pelo espelho retrovisor dele e ele, ao ver-me a fazer força, disse-me “Tu não faças força!!!!” Mas eu não lhe liguei nenhuma. Agora percebo que estar em trabalho de parto é estar lá e cá ao mesmo tempo. As lembranças estão muito enevoadas a partir deste ponto.

Saindo da auto-estrada apanhámos um semáforo e o meu marido perguntou-me se podia ligar os quatro piscas. ‘Claro que podes ligar os quatro piscas! Liga já isso e põe-te lá depressa.’ Ainda íamos batendo num carro. Na altura nem me apercebi, ele depois é que me contou. O que eu gostava de ter um filme disto tudo para me rir! Eu estava em período expulsivo mas não tinha, ainda, consciência disso. Eu só estava a fazer o que o meu corpo mandava, aliás, ele estava a fazer tudo sozinho. Ele e o Miguel, numa sincronia perfeita.

Chegados ao Hospital Pedro Hispano (onde a Leonor também nasceu), saí do carro com alguma relutância, e entre contrações caminhei rapidamente para a entrada. Lembro-me de ver pessoas a olhar para mim e eu sentia-me triunfante por estar a fazer aquilo tudo sozinha. O meu marido apareceu logo atrás de mim com as malas e entrámos. Serviço ainda a meio gás. Eram umas 8:20h de uma Segunda-feira. Uma auxiliar da triagem abriu a porta e perguntou se tinham rebentado as águas. A custo respondi que não. “Estão de quanto em quanto tempo?” – devia achar que eu ia para ali dormir. ‘2 em 2 minutos, não sei bem’. O meu marido foi à Secretaria dar a minha entrada. O segurança da triagem ofereceu-me uma cadeira de rodas que eu, prontamente, recusei. Fiquei ali a aguardar sozinha que viesse um enfermeiro. Debrucei-me sobre a mesa. Uma contração de pé, fiz imensa força e senti-o descer e gritei para o meu marido que estava na Secretaria ou para a auxiliar que tinha ido buscar uma enfermeira ou para alguém que ouvisse: ‘Ele vai nascer aqui!’ Apareceram logo com uma maca e não tive outra hipótese se não deitar-me. Levaram-me à pressa pelos corredores fora e alguém me colocou uma fita laranja no pulso, enquanto me fazia perguntas que eu não faço ideia se cheguei a responder e que nem me lembro quais foram. No elevador: mais uma contração e muita força e a bolsa estourou. Água por todo o lado. A esta altura eu já tinha percebido que a criança ia nascer em breves instantes e, portanto, apesar daquela pressão e dor toda, a epidural ficou completamente fora de cogitação. Aliás, eu queria um parto sem epidural, mas acho que foi neste momento que percebi que tudo dependia de mim e aquela sensação de encurralamento era estranha e muito dolorosa ao mesmo tempo. Era mesmo isso que sentia. Uma coisa enorme presa dentro de mim, na minha pélvis. A cabecinha do Miguel, claro.

Finalmente chegámos ao bloco de partos e na parte da Urgência, ajudaram-me a tirar sapatos e calças para que uma médica me observasse: “Ele está mesmo aqui!” – disse ela mal olhou, sem sequer me tocar. Levaram-me à pressa para a sala de partos, com todas as enfermeiras num alvoroço a preparar tudo a correr, ajudaram-me a transferir da maca para a cama da sala, ajudaram-me a despir o resto da roupa e mais uma ou duas contrações e a cabeça quase coroou. Intervalo. Pedi por tudo para não me fazerem uma episiotomia e ainda fui enchutar as mãos da parteira que amparava o períneo – que sensação horrível! Ficaram à espera da contração seguinte que veio logo depois e ele nasceu todo de uma vez só. Acho que fechei os olhos e pensei que era a dor mais forte que alguma vez sentira e disse, em pensamento, ao meu menino, que o amava. E ele nasceu. Quentinho e escorregadio. Que sensação única, o toque do nosso bebé acabado de nascer. Convencionou-se que ele tinha nascido às 8:35h, já que ninguém olhou para o relógio na altura. Esperou-se que o cordão parasse de pulsar e o pai cortou. Levaram-no por uns minutos mas trouxeram-no logo depois e ficámos pele com pele durante cerca de 1:30h.

M_mama

Miguel à mama pouco tempo depois de nascer.

A PIOR 1:30h da minha vida! O que se seguiu ao nascimento do Miguel foi uma autêntica tortura. O meu parto podia ter sido uma experiência perfeita, mas não foi porque me submeteram a uma revisão manual do útero após uma saída “demorada” da placenta (cerca de 1 hora) com diagnóstico de membranas fragmentadas, e a uma sutura de laceração natural de 2º grau, ambos os procedimentos totalmente a sangue frio, sem ponta de anestesia. Posso agradecer à médica carniceira que ignorou totalmente os meus pedidos de medicação e uivos desesperados de dor: essa, sim, a maior dor que senti na minha vida. Costumo dizer que preferia dois partos seguidos ao que ela me submeteu. Posso, também, agradecer-lhe o trauma com que fiquei e todas as fases por que passei nestes cinco meses, desde a negação à angústia e à raiva. Ainda não tive coragem para escrever a reclamação contra ela, mas hei-de lá chegar.

pai

O pai Emanuel com o Miguel a Leonor. 6 horas de vida.

As três semanas que se seguiram ao nascimento do Miguel não foram nada fáceis. Ele teve de ser internado no 2º dia de vida na Neonatologia. Por risco infecioso (eu tinha o strep B positivo e não fiz profilaxia durante o parto) fez colheita de sangue que revelou um marcador de infeção, denominado PCR, alterado. Sepsis nenonatal, foi o diagnóstico. À partida seriam 7 a 10 dias a fazer dois antibióticos e depois tudo estaria bem e ele teria alta, mas não estava. Ao fim de 8 dias ele começou a ter febre e a piorar consideravelmente. Os quatro dias que se seguiram foram de uma angústia atroz, temendo o pior, inclusive meningite. Mudaram de antibióticos duas vezes e, quando finalmente acertaram, ele começou a melhorar. Apesar de não terem conseguido isolar nenhuma bactéria ou vírus, o diagnóstico foi sepsis nosocomial (ou sepsis hospitalar). Ao todo, foram 19 dias de internamento naquela unidade de cuidados intensivos neonatais. Ele recuperou bem e não ficou com quaisquer sequelas, felizmente.

Miguel_NEO

Miguel à mama na NEO, com 2 dias de vida.

Miguel_casa

Primeira vez que mamou em casa, com 20 dias de vida.

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O parto da Leonor

Foi no dia 1 de Novembro de 2011, às 15:17, 40 semanas pela data do último período menstrual; 3,570kg e 51 cm de gente. Que sensação incrível: tocar-te na pele pela primeira vez, sentir o teu corpinho acabado de nascer, olhar-te nos olhos pela primeira vez de muitas.

Sempre quis um parto o mais natural possível, mas depressa percebi que a maioria das mulheres não tinham esse tipo de experiências de parto em meio hospitalar. Por causa disso, o meu medo, ainda na gravidez, não era do parto como acontecimento fisiológico e normal em si, mas do que pudesse acontecer por conta das rotinas e procedimentos hospitalares. Sentimento que foi apaziguado ao conhecer a enfermeira parteira que me deu as aulas de preparação para o parto no meu Centro de Saúde, e que trabalhava no hospital em que a Leonor nasceria (Hospital Pedro Hispano em Matosinhos). Todos os conhecimentos que ela transmitia iam de encontro à minha perspectiva sobre o nascimento!

Foi uma gravidez sem qualquer sobressalto, apenas com alguns dos incómodos normais desta fase. Tenho impressão que o meu útero se começou a preparar para o grande dia muitas semanas antes com contrações indolores. Já me tinha habituado a elas e no final da gravidez algumas já apresentavam algum desconforto, por isso não foi nenhuma novidade quando senti as primeiras contrações (pouco) dolorosas no fim-de-semana antes do início do trabalho de parto. Muito irregulares. Mas a prepararem o cérvix para o que aconteceria três dias depois.

Na segunda-feira (dia 31 de Outubro) de manhã, tive a última consulta da gravidez no hospital, às 39 semanas e 6 dias. A médica que me observou anunciou os 2 cm de dilatação e colo meio extinto. O aviso de descolamento de membranas veio logo a seguir com o termo “maldade”. O sentimento que tive, para além da dor, foi de invasão. Não se pode considerar isto um pedido de consentimento, menos ainda de consentimento informado. Nunca tinha acontecido antes, mas é impossível não distinguir o procedimento de um toque normal. Marcou indução para uma semana depois (41 semanas) por rotina hospitalar e disse-me que duvidava que eu lá chegasse. Também eu sentia que o parto estava para muito breve, mais ainda depois do que ela acabara de fazer.

Saí da consulta incomodada, dolorida, com contrações irregulares e já mais dolorosas ao longo de todo o dia. E comecei a perder o rolhão mucoso. Algo que também nunca tinha acontecido, mas que era impossível não perceber do que se tratava. A meio da tarde chegaram mesmo a estar regulares, de 7 em 7 minutos. Avisei o meu marido de que deveria sair do trabalho e vir para casa pois talvez não passasse dessa noite. Depois disso pararam. Ele nem acreditava que eu podia estar a entrar em trabalho de parto, pois via-me a fazer tudo com a mesma normalidade de sempre. Mas eu sabia que na Terça-feira seguinte já teríamos a nossa princesa nos braços.

Dormi muito bem nessa noite. Acordei umas duas vezes e cronometrei as contrações; estavam de 10 em 10 minutos.

Por volta das 8 horas acordei com uma bem mais forte. Já não consegui dormir mais pois intensificaram-se bastante, além de que os intervalos estavam alguma coisa como de 3 em 3 minutos. Tinha imenso sono ainda, só queria dormir, por isso tentei deitar-me novamente. Impossível manter-me naquela posição por um segundo que fosse. Não podia ser, deitada as dores eram muito piores.

Alternei entre estar sentada aos pés da nossa cama com o marido a fazer-me massagens nas costas e eu na zona dos ovários (os locais onde sentia as dores) com a sanita. Quando estava na casa de banho só queria ficar sozinha. Mais rolhão, quantidades imensas. Intestino limpo. Mais contrações. Qual é a parte em que dá para descansar entre contrações, mesmo? Impossível! As contrações atingiam um pico de dor que cada vez durava mais tempo e depois diminuíam, mas a dor nunca desaparecia. Alguns dos pensamentos nesta fase eram: “Onde é que eu me fui meter? Nunca mais quero ter filhos! Quando chegar ao hospital é certinho que quero uma epidural. Quando é que isto acaba? Devo estar com uns 3 cm de dilatação por isso ainda estou bem aqui.”

Decidi que era hora do banho. O homem já só via hospital à frente mas mesmo assim ajudou-me. Água quente para cima da barriga. Que alívio! Não muito, mas o melhor que se podia arranjar. Nesta altura era difícil fazer o que quer que fosse a meio de uma contração, por isso era preciso esperar. Nunca demorei tanto tempo a tomar banho e vestir-me, sempre com a ajuda do meu marido. Fizemos tudo bem lentamente, ao ritmo do trabalho de parto. Nesta altura já não eram pensamentos, eram verbalizações: “Não aguento mais. Não quero mais isto. Já chega!”

Saímos de casa por volta das 11h20. Nesta fase já sentia imensa pressão e dor na vulva. A viagem, cerca de 10 minutos por autoestrada, pareceu-me uma eternidade. Não há posição pior para trabalho de parto do que estar sentada num carro com os solavancos a ajudar. Cerca das 11h40 já estava a ser observada no bloco de partos pela obstetra de serviço. A médica esperou o intervalo da contração para me observar e anunciou: “4 cm de dilatação e colo 100% extinto!” Felicitaram-me, ela e a enfermeira. Soube-me bem saber que já esta a meio.

Fui, então, encaminhada para a zona das salas de parto, onde me encontrei novamente com o meu marido e com a enfermeira parteira que ficaria responsável por me assistir. Fui para a casa de banho onde, uma vez mais, fiquei uma eternidade sentada na sanita (alivia a pressão e a dor… aquela posição). Quando me apeteceu saí de lá já com a minha camisa e chinelos. A enfermeira veio ao meu encontro e perguntou se eu queria epidural. Respondi que queria tentar sem. (Sempre esteve nos meus planos um parto sem analgesia epidural, mas também sempre deixei em aberto consoante a vontade do momento.) Sugeriu-me um duche. Aceitei imediatamente.

No duche sentia imensa pressão para baixo a cada contração. Tentei sentar-me mas piorou novamente. Voltei a ficar de pé. Estava ali a questionar-me onde se tinha metido o meu homem. Por volta das 12h30, a enfermeira disse que teria de sair do duche para fazer antibiótico por ter o streptococus B positivo nas análises das 37 semanas (algo que eu já sabia). Pediu para me deitar, disse que o cateter ia doer (mal o senti, com as contrações ao mesmo tempo), poucos minutos depois o antibiótico começou a entrar e comecei a ter dores na mão e no braço. Epidural se faz favor!

A anestesista chegou logo a seguir. Um amor de médica. Todos me tratavam muito bem, mas tenho pena que não tenham sugerido métodos alternativos de alívio de dor. Parece que tudo o que conhecem é a epidural. E eu queria, e continuo a querer, um parto sem epidural.

Às 13h10 – já sob o efeito da epidural e com contrações muito mais suportáveis, mas que continuaram a ser sempre sentidas – a enfermeira pediu para ver a progressão do colo: “6/7cm e bolsa quase a rebentar! Nem quero mexer muito…” A dúvida se conseguiria levar 2ª dose do antibiótico começava a instalar-se (normalmente é administrada outra dose 4 horas depois da primeira).

Continuei sempre a sentir contrações e alguma dor. Estava feliz assim. Não queria mais nem menos dor. Podia, finalmente, descansar um bocado. Ficámos só os dois, a meia luz, ansiosos e muito felizes. À espera. Tinha perfeita sensibilidade e mobilidade nas pernas, mas nem pensei mais em levantar-me; qualquer das maneiras já tinham aproveitado para colocar o CTG.

Às 14h50 comecei a sentir mais dor e muita pressão. Veio outra enfermeira parteira apresentar-se; tinha sido a troca do turno. E ainda bem que assim foi! A outra era muito simpática mas não parecia muito dada a partos naturais. Pediu para me avaliar: “10 cm dilatação! Não sente vontade de fazer força?” Meu pensamento: “Só pode estar a gozar!” Sim, eu sentia a pressão há bastante tempo e já estava a fazer força há muitas horas, naturalmente, com as contrações. “Então já pode ir fazendo”, respondeu ela.

Antecipação da 2ª dose do antibiótico para 2 horas antes e 2ª dose da epidural. A enfermeira explicou que iria romper a bolsa e, nesse instante, ficou tudo encharcado de água quente. A parteira pediu para me virem mudar a cama e por isso levantei-me: que maravilha que me soube! Fui fazendo força conforme sentia as contrações, em pé. Só pensava que assim a Leonor ia descer mais rápido.

Tudo trocado, sentei-me na cama, pedi para ela não fazer episiotomia, respondeu-me que não iria fazer. “Venha, venha cá ver, olhe aqui a cabecinha!” – dizia a enfermeira para o meu marido. O homem, que dizia que não queria ver nada de frente, lá foi todo contente. Eu ia fazendo força naturalmente. Tão pouca força, que nunca pensei que fosse possível um bebé nascer com tão pouca força!

“Ela vem toda enrolada ao cordão, espere aí para eu desenrolar.” E nasceu!

15h17 estava cá fora. Vinha com uma circular à volta do pescoço (como eu, quando nasci) e com a mão esticada em frente e o cordão enrolado no braço também. Por causa disso, penso que tive uma laceração digna de registo, mas que se curou em 1 semana e que nunca me deu qualquer problema, e que me permitiu sempre sentar sem qualquer problema. Foi o pai quem cortou o cordão da Leonor, com ela ainda em cima de mim.

Os primeiros cuidados foram prestados mesmo ali ao lado e 5 minutos depois já a estavam a colocar por dentro da minha camisa, no meu peito, pele com pele, onde ficou durante cerca de 1 hora. Ficámos a namorar a Leonor e ela mamou, assim mesmo, pela primeira vez. Enquanto isso a placenta nascia e a enfermeira tratava dos estragos causados por aquele bracito em riste.

Leonor_mama

Depois vestiram-na e trouxeram-na de novo para junto de nós, onde mamou novamente e adormeceu. Deixaram-nos sozinhos por cerca de 2 horas. Imensamente felizes com a nossa menina. Ao fim desse tempo seria normal passar para a enfermaria, mas perceberam que estava a perder muito sangue ainda. O útero não estava a contrair normalmente e por isso administraram ocitocina e a mesma obstetra que me viu ao dar entrada veio massajar o útero. Esta situação obrigou a que permanecesse mais umas 2 ou 3 horas na sala de partos para observação. O meu marido ficou sempre junto de mim, bem como a Leonor, que ora dormia ao meu lado, ora ao colo do pai.

Foi só por volta das 21/22 horas que passei para a enfermaria. Mais uma vez, foram impecáveis, pois deixaram o meu marido permanecer comigo até cerca das 23 horas (muito depois da hora de término de visitas!)

Desde a entrada no bloco de partos até ao dia da alta, 2 dias depois, cruzei-me com profissionais excelentes, dedicados, muito respeitadores e carinhosos, que apoiaram imenso e que ajudaram com a amamentação. Reconheço que tive o parto que quis. Mas no próximo, quero mais ainda!

Filipa+Leonor

Texto e fotografias por Filipa dos Santos.


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