Andreia, Tomás e Bernardo

6 de Agosto de 2014 – 37 semanas

“Vou-me deitar, hoje não estou muito bem”…

Foram estas últimas palavras que disse ao meu marido antes de tudo começar.

1h30: Fui acordada por uma “explosão” de água… Acordei e pensei… não acredito… não era suposto isto acontecer… ficou tanta coisa por fazer (aquelas coisas de mulheres que nós adoramos… fazer as mãos, arranjar os pés, cortar o cabelo. O que vale é que tinha a depilação feita… Foi isto que me passou pela cabeça depois de estar “inundada” de água.
Depois deste rasgo de pensamento chamei o meu marido. Quando o acordei a dizer o que me estava a acontecer… deu um pulo da cama que só visto.
E eu a chorar porque ficou tanta coisa por fazer e confesso que também não queria (ainda) pois estava a adorar a minha barriga.
O B (marido) trouxe-me uma toalha e depois foram os telefonemas para a minha amiga médica A que me aconselhou a ligar para o meu médico. Depois foi ligar para os meus pais e para alguns amigos.

Mas mulher que é mulher tem de se pôr bonita e lá fui eu para o banho, para depois me arranjar e maquilhar.. escusado será de dizer que não valeu de nada pois mal cheguei à Cuf tive de vestir aquela bata horrível.

E assim começou uma nova fase na minha vida.

Durante todo o trabalho de parto tive imensas visitas dos amigos mais próximos, dos meus pais e dos meus sogros.
Graças a Deus que existe a epidural e que torna todo o processo maravilhoso e foi esperar para que dilatação acontecesse.
Ao 12h estava com oito dedos e entrei em contagem decrescente para o grande momento e não tardaram as lágrimas a cair de emoção e de medo ao mesmo tempo.
Às 14h entrei no bloco de partos e afinal percebi que não havia motivos para ter medo pois não haviam dores mas sim uma grande vontade de ver o meu filho.

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14.14h Viu-o pela primeira vez… E tudo começou…
“Mas?!? Há aqui qualquer coisa que não está bem… mas não pode ser… as ecos estavam todas boas e o rastreio bioquímico também…”
Respirei fundo e pensei, devo estar a fazer confusão… e lá foi ele para a sala de pediatria…
Quando chegou perto de mim já vestido… confesso que tive muito medo de o ver pois não queria confirmar com os meus próprios olhos o que estava a achar que seria verdade…
Olhei para ele e apaixonei-me pelo meu filho, era um bebé lindo com os seus 47,5cm e 2,935Kg.
Achei que tudo não tinha passado de um susto.
E ficámos ali ainda na sala de partos os três, eu, o B e o T.
Até que chegou a pediatra e referiu que havia alguma coisa com o T que a deixava suspeitar de algo mas podia ter sido do nascimento e daí querer ir vê-lo no final do dia.
Mas lá no fundo eu sabia que algo não estava bem…
Não demorei muito a reagir… este momento supostamente seria de alegria e não o posso estragar, por mim mas também pelo B, pelos meus pais, irmão e sogros.
Fui para o recobro, fiquei apenas com o T nos meus braços… sozinha e a pensar em tudo o que me estava a acontecer…
Mas tinha de ser forte, era o meu filho!! Abracei-o muito e jurei que nunca o iria desapontar…
Já tinha estado um pouco com o B no recobro mas não o queria preocupar… e fingi que não estava a perceber nada.
Após o recobro, percorri os corredores da maternidade aparentemente feliz com ele nos meus braços para ninguém perceber… ao chegar ao quarto tinha os meus pais, sogros, irmão, D, A e B à minha espera.
Não falei de nada…
Mas o B já os tinha informado que haviam umas suspeitas estranhas no T.
Comentaram comigo, mas eu desvalorizei. Aquele momento era para ser vivido com felicidade e não com tristeza.
Tentei esquecer…

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Até que chegou a pediatra e mandou sair todas as pessoas, ficando só eu e o B. A pediatra olhou para o T e o meu coração acelerou…
Começou a falar das suas suspeitas… O T tinha indícios de Síndrome Down, Trissomia 21… as lágrimas começaram a cair descontroladamente e afirmei à medica que isso não seria possível pois os valores das ecos estavam todos perfeitos bem como os rastreios bioquímicos, ao qual ela me respondeu “que todos os exames feitos não são 100% fiáveis…”
“Como assim? E não avisam os pais?”
A pediatra começou a falar de associações, que nada me interessavam naquele momento pois não havia ainda confirmações…
Após a sua saída, os meus pais voltaram a entrar juntamente com o meu irmão e a minha amiga médica A que assistiu ao parto e aí não tive mais forças para disfarçar e comecei a chorar, chorar… e nunca mais parei.
Levantei-me fui tomar banho para ver se acordava deste pesadelo mas agarrei-me à minha mãe a pedir quase para que ela me ajudasse e dissesse que aquilo era mentira…
Com isto eram 22h e estávamos todos exaustos fisicamente e psicologicamente.

Voltámos a ficar os três sozinhos mas o sono nunca apareceu… não conseguia parar de olhar para ele, umas vezes para o amar outras para encontrar as diferenças de um bebé dito “normal”. Levantei-me imensas vezes para chorar na casa de banho, sem o B perceber. Tinha a noção que se ele percebesse que eu estava a chorar ele sofreria o dobro pois iria sofrer por me ver assim e pelo seu filho.
Deixei de conseguir respirar naquele quarto… peguei no meu filho, juntamente com o B e percorri o corredor da maternidade a chorar junto a eles e a pensar “porquê meu Deus? Porquê eu? Implorei muito para que isto não passasse de um susto… mas esse dia nunca chegou…

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No dia seguinte começou mais um dia a tentar perceber o que se estava a passar… tivemos a visita da Dra. G (Chefe de Neonatologia), e observou o T, informou-nos que também partilhava a opinião da colega mas certezas só depois do cariótipo. Referiu ainda que “se escolhêssemos filhos por catálogo não escolheríamos estes bebés…” Lembro-me das lágrimas caírem naquele momento ao mesmo tempo que pensava… mas eu já amo o meu filho e não o troco por nada.
Acabou por sair e mais uma vez eu e o B nos agarrámos a chorar.
Mandei chamar a pediatra do T, estava à espera de encontrar algum conforto, mas isso não aconteceu a Professora AN foi perentória o “olho clínico nunca se engana”. Jamais esquecerei estas palavras…
Voltou a falar de associações mas nós nem queríamos ouvir falar de tal coisa, pensei sempre que não iria recorrer a algo do género…

Fomos ao primeiro banho com o T e lembro-me de olharmos para todos os bebés e nunca para o nosso… de forma a encontrar as diferenças…

E assim foram passados os nossos dias na Cuf… Só a família directa e a minha amiga A e amigo B sabiam do que se estava a passar. Todas as visitas foram recebidas com sorrisos, como se de um momento feliz se tratasse.
Optámos por não contar a ninguém até recebermos o resultado do cariótipo.
Fui chamada por uma enfermeira para levar o T aos cuidados de Neonatologia e com ele sofri a sua primeira “picada” mas desta vez que lhe ditaria o seu destino… as lágrimas teimavam em sair sem eu as pedir…

Dia 8, chegou o momento de sairmos da maternidade… via outros Pais a saírem felizes mas nós saímos despedaçados…
Ficou tanta coisa por viver…

Chegámos a casa… arrumei tudo, queria esquecer tudo, fiquei sem ar… e peguei no T, no meu marido, no meu irmão e cunhada e fomos à Igreja… chorei, chorámos muito, pedimos muito a Deus que não nos fizesse isso… e que me desse forças para aguentar este novo mundo.
O resultado só chegava dia 19.

Foram catorze dias horríveis, passados com lágrimas, com certezas que “sim” com certezas que “não”.
Entretanto fez o ecocardiograma e estava tudo bem. Ao menos valia isso. Tinha um bebé com um coração saudável.
Valeu-nos todo o apoio dado pela família e a minha amiga A, que como médica sempre soube ter umas palavras sábias para me tranquilizar.
Chegou finalmente o dia, era 12h quando estávamos à espera de entrar naquele gabinete que nos ia transformar nas pessoas mais felizes ou infelizes do mundo, mas ainda tivemos que sofrer mais um pouco, pois quando entramos no gabinete… passado algum tempo a médica informou que ainda não tinha chegado o exame e que só chegaria no dia seguinte. Saímos frustrados e com o coração ainda mais despedaçado pois iríamos enfrentar mais um dia de ansiedade e tristeza. O B pediu à Dra. G que lhe ligasse a dar o resultado pois não aguentava mais a espera…
Esperámos e esperámos… o telefonema teimava em não acontecer mas quando o telefone tocava o nosso coração parava e olhávamos um para o outro… não aguentámos mais e fomos ao encontro da médica, ao qual ela nos disse que ainda não tinha novidades… mas que mal chegasse ligaria para nós… saímos do hospital e decidimos ir almoçar para tentar esquecer um pouco… mas o telefone cedo tocou… e a médica pediu para irmos ao hospital, o meu coração acelerou e as lágrimas nunca mais deixaram de cair.
Entramos no gabinete e a médica informou que se tinha confirmado… foi horrível, muito choro, muita revolta houve naquele gabinete.

Lembro-me de ter saído do gabinete e encontrar o meu irmão e a D no corredor e ter abraçado o meu irmão com toda a força. Pedia-lhe forças pois não estava aguentar tudo o que me estava a acontecer…
Obrigada T, por todo o teu carinho e apoio, por teres sido o grande pilar meu, do B e dos Pais… sem ti teria sido mais difícil!!

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Cheguei a casa e dei a notícia aos meus pais, o B ligou também para os seus pais e naquele dia chorou-se muito, chorou-se até lágrimas secarem…
O B afirmou mesmo, “chorem tudo hoje, porque amanhã já ninguém vai chorar”.
E assim foi…

Abraçámos-nos e jurámos que iríamos amar o nosso filho com todas as forças e que não iríamos permitir que ninguém o tratasse mal. Obrigada B por todo o teu amor!! Mostraste ser um GRANDE HOMEM, MARIDO E PAI!!

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Confesso que demorei uns dias a aceitar toda esta ideia… e depois de aceite e interiorizado tudo o que me tinha acontecido, chegou a hora de contar à família, aos amigos, conhecidos…
O apoio não podia ter sido melhor e só tenho a agradecer a todos vocês que nos apoiaram e que acima de tudo aceitaram o nosso querido Tomás.
Um grande obrigado de coração a todos vocês!!

Sou uma pessoa muito optimista e que não perde muito tempo a lamentar-se e não seria isto que iria mudar a minha maneira de ser…
Olhei em frente, pedi ajuda ao meu querido marido, à minha família directa e aos meus amigos e olhei para a vida com toda a força e esperança.
Percebi que esta era a minha realidade… Agora não valia a pena mais lamentações mas sim ir investigar tudo o que estava ao meu alcance para dar a melhor vida ao meu filho.
Obtive vários contactos, um deles do meu obstetra Dr. JL, e conheci a V, uma mãe que tinha passado recentemente pelo mesmo e acabámos por falar um pouco sobre tudo.
Acabei por aceitar a dura realidade e ir ao encontro da associação – Pais 21, onde também tentei procurar muita informação.
Através do facebook falei com a Bibá Pitta, que se disponibilizou de imediato para falar comigo.
Li muitos livros, pesquisei ainda mais, tentei e tento até hoje saber o máximo sobre Trissomia 21.
Costumo dizer em jeito de brincadeira… que já tenho o mestrado em Trissomia 21.
Estou a ir ao limite, tenho um grande filho, filho este que é um pouco mais especial dos que virão e tudo farei por ele.
Tenho apenas um objectivo nesta vida, fazer o meu filho feliz dentro da sociedade dita “normal”.

Texto e fotografias retiradas de Tomás My Special Baby
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