Ana, Bernardo, Constança e Camila

O dia da Camila [27.12.14]

[no dia em que completas 2 meses de vida, eu escrevo para ti, Camila. escrevo sobre o teu dia, o dia em que nasceste, contigo ao meu lado. choras, pego-te no colo e ponho esta música para nós]

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Estávamos à tua espera. Primeiro, disseram-nos que talvez viesses mais cedo. Quase entrei em pânico. Tivemos medo que o teu pai não chegasse a tempo e estava tudo por fazer. Depois, ficaste. Dia após dia, foste ficando e eu agradecendo. O pai chegou, o enxoval lá se preparou, o natal aconteceu. No sábado, 27 de Dezembro, às 2h22 da tarde, nasceste. E a tua história começa aqui.

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Foi um parto bonito e emocionante, não encontro palavras mais certas para o descrever. Foi um parto nosso, dos três, quase como se estivéssemos a ter-te em casa. Tivemos tanta, mas tanta sorte, com a parteira que nos acompanhou [chamava-se Sílvia]. Foi ela que permitiu que o teu nascimento tivesse sido como foi: calmo, controlado, sem grandes dores e com uma enorme emoção.

Dei entrada no hospital pouco depois das 9 e meia da manhã, tinha ficado combinado assim com a última médica que te vira. Passavam 2 dias das 40 semanas e eu sabia já estar com alguma dilatação. Passara o dia anterior a limpar a casa. Em vez de subir e descer a avenida, resolvi compensar as férias da empregada e aspirar, fazer as camas de lavado, limpar o pó, a casa de banho e… resultou! As dores acordaram-me às 6 da manhã. Com calma, levantei-me e fui tomar um duche de água bem quente. Depois, saímos de casa para tomar o último pequeno-almoço a três. Volta e meia, uma contracção. 6 segundos de dor suportável. Disfarcei o mais que pude para a Constança não perceber. Eu estava tranquila, sabia exactamente o que estava a acontecer.

Com 4 dedos de dilatação, deram-me a escolher: pode ficar já hoje ou arriscar ir para a casa. Ficámos, queríamos-te connosco o mais rapidamente possível. Por uma hora, nada de contracções. Mandaram-me tirar a roupa, deixá-la no cacifo, que o pai fosse buscar as malas ao carro porque eu ia directamente para a sala de partos. Estranhei, com a Constança tinha passado o dia inteiro no quarto. Aí, apareceu a parteira. Apresentou-se e começou a explicar tintim por tintim tudo o que ia acontecer. Voltaram as contracções. Tensão baixa, muito soro e, pelas 11 da manhã, a epidural em dose reforçada. Acho que entretanto rebentaram as águas, não sei bem. Estivemos quase sempre sozinhos. De vez em quando, a parteira vinha ver como estavam as coisas e quando eu lhe disse que já começava a sentir uma pressão esquisita, ela respondeu-me: sabe puxar não sabe? então vá puxando, vá puxando. E sorriu. Eu sabia, tinha feito as aulas de preparação para o parto da Constança e shiatsu ao longo da gravidez. Sabia.
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Uma hora depois, talvez, aquela pressão pareceu-me diferente, mais em baixo. Estava a sentir ainda mais vontade de puxar, mas não dor. Bernardo, é melhor chamares alguém. Veio a parteira. Está na hora. E começou a preparar tudo: levantou a cama, encaixou os apoios para as pernas, abriu o kit da Criostaminal, colocou o material do seu lado direito, fez tudo sozinha, sempre só ela connosco na sala e sempre a explicar tudo o que ia fazendo. Nós sorríamos de nervosos.

Faço força? – Muito bem mãe, está a ir muito bem, mãe. – Mais força? – E de repente, sem eu contar, dor. Ui, dor!, a dor que não estava nada à espera. Instintivamente, reagi, fechei as pernas, quis recuar. Não, não, não, abanei a cabeça. Parou-me o relógio. Descontrolei-me. Porque é que não me avisaram que, em algum momento, ia doer? Ela calma, completamente calma, olha-me nos olhos, fala comigo, procura que eu me acalme também. Lembro-me de dizer para mim própria controla-te, Ana, controla-te porque se perderes o controlo é muito pior… Mais força, mais dor, eu ainda mais assustada. O Bernardo diz que eu lhe supliquei por ajuda, eu não me lembro.

Não consigo saber quanto tempo estivemos naquilo: eu cheia de medo, ela à espera que eu me decidisse a continuar a fazer força e tu a meio caminho. Já se sente a cabeça, quer tocar? – Não! Mais força. Já vão sair os ombros, quer ajudar? – Não, não, não! Mais força. Dor, alguma, já nem sei, só queria que aquilo acabasse. Ana, dê-me as suas mãos, retire o corpo da sua filha. E eu retirei. Uou… Incrível. Foi isso mesmo que aconteceu, Camila. Ao quinto puxão, saíste de mim pelas minhas mãos. Inchadinha, sujinha, calada.

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Olhei para o relógio e já tinha passado 1 hora. Por momentos até pensei que a parteira se tinha esquecido de nós. Mas não, explicou-me depois que o procedimento agora é aquele: deixar o bebé com a mãe, sem cortar o cordão e sem limpar, durante pelo menos 30 minutos. Coberta com uma toalha, mamaste, adormeceste, e nós ficamos ali, sozinhos na sala contigo, a tocar-te, a conhecer-te, a namorar-te. Foi tão bom.

Depois a parteira voltou. E com todo o tempo do mundo, terminou o que tinha de ser feito. Esteve uns largos minutos a retirar o sangue para a criopreservação, a massajar-me o útero, a verificar a placenta. Perguntou-me se estava bem, falámos sobre a minha reacção e explicou-me que e epidural em dose moderada [no parto da Constança eu nem sentia as pernas] não actua ao nível da pele e que a dor que eu senti eram os tecidos a esticar, que era normal. Ri-me, envergonhada. Levei um ponto.

O pai cortou o cordão, ajudou a limpar-te, vestiu-te, fez tudo a um metro de mim. Nasceste com 3,650 kg e 49 cm. Dormimos 2 noites no quarto 7 do Hospital de Braga e nas vésperas do ano acabar, levámos-te para casa, Camila. O maior presente de 2014 e a luz de 2015.

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Texto e fotografias de Ana Peixoto d’Almeida

Ma Petite Princesse


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