Círculo Perfeito

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Butterflies, M.C. Escher 1950

Não podia deixar de falar do Círculo Perfeito. Primeiro um grupo de facebook que chamou a minha atenção e depois um workshop de educação e saúde menstrual dado pela Patrícia Lemos, mentora do projecto.

Cada vez mais interessada na pesquisa pelo feminino, este workshop veio a revelar-se uma lufada de ar fresco, a possibilidade de fazer um reset a escolhas e acções gastas e bafientas. O mais espectacular é como um dia de formação me acompanhou em pensamento, inspiração e reflexão nas semanas seguintes. Harmonia. Sintonia. Corpo.

Aconselho todas as mulheres a percorrem este caminho de descoberta e informação preciosa. É impossível olharmos para o nosso corpo da mesma maneira.

A Patrícia é um poço de informação e uma comunicadora nata. Agradeço-lhe ter-se cruzado no meu caminho (e de outras tantas mulheres) e ter aceite fazer esta entrevista. Obrigada Patrícia!

Conta-nos 1 pouco o teu percurso. Como chegaste até aqui?

Tenho um percurso muito errático em termos profissionais: aquela coisa do faz um curso e trabalha nisso o resto da vida não serve a pessoas como eu. Mas o que é subliminar na minha vida, o que sempre lá esteve, faz com que as pessoas que me conhecem há 20 ou 30 anos digam que o “chegar aqui” era expectável.
Quando estava a estudar Hipnose Clínica fiz uma formação para trabalhar com questões de fertilidade (sempre fui uma apaixonada por estes temas da saúde feminina). Seguiu-se uma outra mais específica para acompanhamento de processos de gravidez medicamente assistida (desde estimulação de ovários, às fertilizações in vitro, transferências de embrião, etc).
Em Portugal continua a existir muita falta de informação relativa à Hipnose Clínica mas a sua utilização nesta área da saúde está bem documentada (os primeiros estudos são conduzidos pelo Dr. Levitas e datam de há 10 anos atrás!) e em 2010 começo a ver mulheres com questões de infertilidade.

E é nesta altura que me começo a aperceber do grau de desinformação geral sobre o ciclo menstrual, sobre o funcionamento do aparelho reprodutor, sobre os factores de risco.

Na altura, estava a colaborar com a Alexandra Pope (uma referência internacional nestes assuntos menstruais) e pensei que talvez fizesse sentido disponibilizar por cá o que estava a ser feito lá fora.

Foi quando dei início aos workshops do Círculo Perfeito, com o objectivo de dar (gosto de acreditar) respostas diferentes às perguntas do costume: corpo, hormonas, emoções, toxicidade, alimentação e o resgatar da responsabilidade de cada uma para viver melhor.

Desde então essa é uma das partes do meu trabalho: a promoção e educação para a saúde menstrual através do Círculo Perfeito (seja em formato wks, através de acompanhamentos pessoais ou (numa versão muito light) através do grupo fechado do facebook) que concilio com a prática da hipnose clínica em diferentes zonas da grande Lisboa, e com a elaboração da tese na área de Risco e Saúde, sobre as representações do corpo e o seu impacto ao nível da fertilidade.

Das centenas de mulheres com quem já te cruzaste, consegues realçar um denominador comum entre elas?

Denominador comum será o facto de não estarem conformadas nem satisfeitas com as respostas que têm obtido até agora.

Mas importa distinguir as mulheres que me chegam para saúde menstrual e as que vêm com diagnósticos de infertilidade ou a tentar engravidar há algum tempo sem sucesso: são públicos com perfis distintos e com necessidades igualmente distintas.

Sendo a educação menstrual um assunto praticamente inexistente e como mãe de uma filha, de que forma podemos gerar mudança nesta área?

Este caminho passa obrigatoriamente pela informação. Parece óbvio, não é? Mas este é um tema sensível porque toca directamente nas questões da sexualidade e aqui entra o dilema da mãe que não querendo ser castradora também não quer a filha adolescente grávida.

É invariavelmente neste momento que surge a contracepção hormonal como garantia de “segurança” para todos – e é exactamente neste momento que o óbvio deixa de o ser.

Porque a pílula não protege contra as infecções sexualmente transmissíveis e ao facilitar a pílula à minha filha sem lhe falar da importância do uso do preservativo na manutenção da sua saúde, estou a desresponsabilizar-me da sua educação sexual e de todas as escolhas que decorram dessa desinformação. Mesmo as que têm impacto menos visível que uma barriga a crescer.

Depois, porque (e falo do universo que me chega) as adolescentes fazem uso inadequado das opções de que dispõe – falham tomas, não terminam caixas, etc. – o que reduz a eficácia contraceptiva, e a sua percepção da mesma, levando a pílulas de dia seguinte como solução mais frequente do que o que gostaríamos de acreditar.
Diz-nos o Consenso para a Contracepção, pelas Sociedades Portuguesas de Ginecologia, Contracepção, etc., que a contracepção hormonal apresenta mais vantagens que desvantagens. A sermos claros, estamos a falar de gravidez adolescente quando falamos de desvantagem. E estamos de acordo. Porém o que fica por explicar é como é que Portugal tem uma das taxas mais elevadas da Europa não só de utilização de contraceptivos hormonais mas também de gravidez adolescente!

Parece simples concluir que alguma coisa aqui está a falhar.

Por fim, lembrar que a maioria das adolescentes portuguesas (e mulheres) não faz exercício físico, fuma, bebe álcool e está acima do peso indicado para a sua idade: tudo factores de risco para a utilização de contracepção hormonal.

Não sou contra a utilização da contracepção hormonal mas sou a favor da informação para a tomada de decisões conscientes e responsáveis. Para que estas possam acontecer, essa informação precisa ser ampla em termos de âmbito e precisa ser clara para me garantir total controlo sobre as decisões que tomo relativamente ao meu corpo.

E para isso também é preciso que eu, enquanto mãe, não feche os olhos ao processo de transformação da minha filha em mulher a quem assiste o direito de viver uma sexualidade plena, saudável e isenta de medo.

Quais são as principais preocupações das mulheres que te procuram?

Quando me procuram trazem sempre um problema/preocupação para resolver: diria que os maiores e mais habituais se prendem com o índice de fertilidade (a decisão de ser mãe cada vez mais tarde traz esta preocupação: “como posso garantir que me mantenho fértil? o que posso fazer nesse sentido?”), com o controlo natural de fertilidade e com a saúde menstrual.

Utilizas a hipnoterapia para controlar a dor no parto. Podes explicar-nos como funciona?

Há 20 anos que os National Institutes of Health, nos Estados Unidos, reconheceram a utilidade da hipnose clínica para o alívio sintomático da dor crónica e esta é, efectivamente, uma ferramenta extremamente eficaz no controlo e gestão da dor em geral.

Em questões de gravidez têm várias aplicações que vão desde o controlo da hiperemesis gravídica (enjoos) até ao virar de bebés pélvicos ou preparação para cesarianas, por exemplo, e por isso criei em 2010 o Programa Gravidez Tranquila.

Quanto à preparação para o parto existem várias abordagens… Aquela com que trabalho passa por técnicas de modulação da dor com o objectivo de permitir à mulher estar em total controlo do momento, desperta e alerta no seu processo, por forma a usufruir ao máximo da experiência de parto. Técnicas respiratórias, utilização do estado de transe para fins de relaxamento, contracção do tempo, etc, fazem parte do processo que somado ao trabalho de parto (que por si já produz um estado alterado de consciência, uma analgesia própria, um tempo-espaço para a mulher parir) resultam em experiências únicas, com mulheres completamente mergulhadas na experiência de parir um filho. Sem medo.

Portanto, não ponho ninguém “a dormir” para tudo parecer um passe de magia 🙂

A primeira sessão serve para desmontar esses mitos e para ambas (a grávida e eu) aferirmos o que é possível fazer juntas – por isso não tem qualquer cariz vinculativo de parte a parte.

É preciso entender o que faz sentido para aquela grávida e fazer as melhores opções no sentido da sua saúde, com seu perfeito entendimento das suas escolhas.

Alimentação Gravidez Vida de Mãe

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