Post convidado – e se o meu filho não for para a creche?

Jamie

Deve ou não o meu filho ir para a creche?

Uma questão que paira sobre a mente de muitos pais, uns, ainda os seus filhos não nasceram e já é preocupação, e outros, mais tarde quando confrontados com o malabarismo do tempo.

A balança que tende para um só lado quando colocados os pesos da necessidade de voltar ao trabalho ou actividade que exercitamos, da segurança financeira que sustenta o nosso estilo de vida, da carreira, da sociedade que nos desvaloriza se optamos por ficar em casa, da gestão impossível do tempo quando o trabalho parcial é praticamente inexistente e opção não considerada pelos empregadores. Da quase normalização social de colocar os filhos na creche o mais cedo possível. O prato pesa e a decisão parece tomada.

E do outro lado da balança? Questiono. Do outro lado, estão os nossos filhos.

Foi a olhar para o meu filho que decidi que esta reflexão iria começar por ele. O tema é muito importante para os pais, mas é mais importante para os filhos, porque são eles que vão viver a sua maior mudança até à data.

Conto num próximo texto explorar esta mesma questão em relação às creches mas colocando-as da perspetiva dos pais. Creches, porquê? Precisamos de mais tempo? Para que atividades? O percurso profissional é importante para mim e está em risco? Peso financeiro de uma escolha face à outra? Que outras opções posso equacionar?

Começo por equacionar a creche do ponto de vista do beneficio para os pequenos colocando algumas perguntas.

Vai desenvolver-se mais ao nível cognitivo e motor?

Vai desenvolver competências sociais ao inserir-se num grupo?

Vai se tornar mais independente e sentir menos a falta dos pais?

As necessidades dele vão ser bem atendidas, como o carinho, atenção, a companhia, a alimentação, a sesta, a fralda?

As atividades serão estimulantes e gratificantes?

No geral irá ele sentir-se melhor e mais feliz?

O desenvolvimento cognitivo e motor estão diretamente relacionados com os estímulos diários a que uma criança está naturalmente sujeita. Digo naturalmente, porque me refiro em grande medida ao efeito dos estímulos da coexistência diária com a família, as rotinas, e pela sua preferência por objetos do dia-a-dia face aos seus próprios brinquedos.

Assistir ao abrir da caixa de um novo brinquedo e ele acabar por passar horas de volta… da caixa! Ou, apesar dos cubos, caixas, baldes e demais coisas, os tachos, as panelas e as tampas da cozinha serem bem mais atrativos. Isto mostra um pouco da sua predileção pelo nosso mundo, o dos adultos. E não acontece por acaso, eles absorvem avidamente o que estamos a fazer, como o estamos a fazer, de que forma e com que utensílios, transportando por sua conta estas instâncias do real para as instâncias do faz de conta.

O dia-a-dia de uma creche é feito de atividades para bebés e crianças, com muitos estímulos, mas menos no que toca ao assistir e imitar os adultos nas suas tarefas. Para mais, a segurança obriga a que tudo o que exista esteja apropriado para a idade, existindo uma abundância de plástico, em detrimento de objetos mais orgânicos e até práticos. Existe ainda potencial para o excesso de estimulo devido ao grande número de brinquedos, de atividades e à própria coexistência com outras crianças. O excesso de estimulo causa cansaço e distração, e quando chega o fim do dia, esse excesso tem tendência a revelar-se, especialmente ao adormecer e durante a noite. Pode ser até inibidor do desenvolvimento cognitivo e motor.

Uma peça chave para a integração e interação em grupo, ou socialização é a empatia. A empatia é a capacidade de ler e interpretar os sentimentos dos outros e aos dois anos de idade está ainda longe de estar estruturada no seu mínimo. A empatia desenvolve-se com as figuras de apego. Resulta de inúmeras horas de interação entre pais e filhos, de tradução do tom de voz, da expressão facial e da expressão corporal, que resulta em comunicação global. É necessário segurança e confiança, para começar a dar significado, primeiro aos sentimentos que a própria criança sente, e depois para os reconhecer nos outros. Ao transpor esse desenvolvimento para o grupo de pares estamos a colocar diferentes crianças, com diferentes relações empáticas, ainda não estruturadas de forma a coexistirem e até a se relacionarem entre si, convocando situações de claro desentendimento.

Nas interações informais como uma ida ao parque verifico exatamente isso, duas crianças podem estar durante minutos numa interação, felicíssimas, para num instante a seguir alterarem completamente o seu comportamento. Outro exemplo interessante, estamos entre amigos, temos todos filhos de idade aproximada, as crianças estão entretidas nos seus jogos e mundos e os adultos respiram de alivio com algum tempo para socializar, mas num instante e sem que nada o faça prever, decidem que precisam do pai ou da mãe. Isto quer dizer que mesmo com um cenário perfeito de brincadeira e interação a necessidade de ter os pais por perto é real.

De pais e crianças que conheço de idades entre os 18 meses e os 3 anos há aquelas que frequentam a creche e as que não. Parecendo até contra intuitivo, são exatamente as crianças que frequentam a creche que são mais evasivas, envergonhadas, partilham menos os brinquedos, mesmo não sendo os seus, e demonstram-se menos afoitas em avançar de encontro aos seus pares.

A questão da independência e da autonomia merece por si só uma discussão bem mais alargada, mas como pai, o que sinto é que a imposição de ambas simplesmente não funciona. Até com base nos parágrafos anteriores se percebe que este processo é feito pela criança na sua descoberta diária do mundo, tendo como base a segurança que sente na certeza da existência desse “porto seguro”. Será sensato escutar e entender o nosso filho e aí perceber se se sente preparado para estar um dia inteiro longe de nós. Para já, posso afirmar que não está.

Por muito boa que seja uma creche e por muito boa vontade que tenham os educadores, é humanamente impossível responder àquelas necessidades da forma imediata e instintiva como respondem os pais. O carinho e atenção não são os mesmos, a companhia dos pares servirá durante quanto tempo necessário até sentirem a vontade ou necessidade de estar com os pais.

A alimentação é também uma preocupação importante. Por um lado, ainda estão em fase de descoberta e de autonomização da refeição, tentando comer sozinhos, descobrindo novos sabores, rejeitando outros e na integração gradual naquilo que é o ritual da refeição. São refeições que não têm prazo limite, habitualmente implicam alguma sujidade, paciência e compreensão. Por outro, a dieta praticada nas creches pode não estar de acordo com a dieta praticada em casa.

A tão importante sesta e os períodos de descanso, que mesmo para nós pais são muitas vezes difíceis de gerir de tão erráticos que são ao longo dos meses. A falta destes períodos resulta em menor atenção, maior propensão a acidentes, menos controlo emocional, obviamente mais cansaço físico e mental e que culmina normalmente em noites mais agitadas.

Por aqui estamos também em fase de entender a relação com as necessidades fisiológicas. Não se trata de treino mas de observação e resposta aos impulsos. Mais uma vez, tempo e atenção são necessários para acompanhar de forma saudável a transição para mais um grande passo na autonomia.

Não tenho dúvidas que as atividades selecionadas para as crianças sejam estimulantes, e em principio deverão ter apoio e material para atividades que os entusiasmem. A creche neste ponto parece ter alguma vantagem, se bem que nada impede que façamos atividades, seja em casa, em grupos, ou visitas a workshops para crianças.

Pela minha análise sinto que ainda não é a altura ideal e até que seja difícil afirmar com toda a certeza se eles estão mais ou menos felizes pelo facto de estarem numa creche. Eles são já seres muito complexos e é preciso estar muito atento aos sinais para percecionar as alterações e o estado de espírito.

Pelos pressupostos que coloquei, as crianças saem realmente a perder quanto à resposta das suas necessidades especificas durante um período tão intenso de formação motora, cognitiva, de personalidade e de autonomia.

Alguma literatura que consultei, que tem como base estudos psicológicos e sociológicos, também parece concordar, afirmando e sempre defendendo que cada criança é diferente e logo a sua resposta é também diferente, que a idade ideal para longas horas longe dos pais, de atividades fora do seio familiar, e de maior número de horas de interação com os seus pares, seja a partir dos cinco anos de idade, não sendo aconselhável antes dos quatro.
Socialmente, parece coexistir a ideia de que uma criança deve ir para a creche no máximo a partir dos dois anos de idade. É inclusive uma pressão colocada sobre os pais sob o jugo de estarem a ser demasiado protetores e que vão atrasar o desenvolvimento dos filhos em função de terem optado por ficar em casa. Com toda esta determinação social, parece-me que não é sem sentimento de culpa que se usam premissas como “eles aprendem mais coisas com os outros”, “ficam mais independentes”, “aprendem a dar-se com os outros e a partilhar”, servindo apenas para descansar e justificar uma decisão que no fundo sabemos não ser de todo a melhor para os nossos filhos e para nós.

Texto e fotografia da autoria de Bruno Flores.

Bebé Parentalidade

6 comentários

6 comentários

  1. panamá comentou:

    Junho 30, 2014 às 3:40 pm

    concordo com as ideias no geral. eu tenho um filho que entrou com 15 meses para a creche e que hoje tem 5 anos. tenho outro que entrou com 7 meses (e de amamentação em exclusivo) e agora tem 17 meses. o melhor para eles era ficarem comigo. ou com o pai. e para mim também. para nós. sem dúvida 🙂 infelizmente, o que esteve por base na decisão deles irem para um colégio, não foi propriamente uma opção nossa. foi uma imposição (social) dum país que não protege o que uma sociedade tem de mais valioso. infelizmente…são pressões sociais. tal como a pressão de pôr os filhos num colégio. se pudesse escolher preferia essa última 😉 beijinhos

  2. Bruno Flores comentou:

    Julho 2, 2014 às 12:14 am

    É nisso que acredito. E é aqui que tudo pode começar a mudar ao dizer "eu preferia ficar com os meus filhos". Temos de trazer esta discussão para o lume para que outros pais sintam que não estão sozinhos quando confrontados com escolhas tão impossíveis. Eu sei e sinto que a maioria dos pais preferia acompanhar e ver os seus filhos a crescer. Também acho que como sociedade tínhamos muito a ganhar se permitíssemos isso. Tudo de bom para a vocês

  3. frascodememorias comentou:

    Julho 16, 2014 às 11:31 pm

    Gostei muito do texto.
    É uma questão polémica, socialmente e até familiarmente: todos nos impelem a que não sejamos diferentes e a que optemos pela creche.
    A minha filha tem 3 anos e 4 meses; inscrevi-a para iniciar o pré-escolar em Setembro.
    Ouvi todos os argumentos possíveis para a inscrevermos a partir de 1 ano de idade.
    Sinto, no íntimo de mim, que tomámos a decisão correcta.
    E sinto a Beatriz muito feliz.
    Só a partir dos 3 anos é que ela começou a ter a noção clara de que a ausência dos pais é temporária: "vocês vão mas depois voltam, não é?"
    Para mim, é claro que só quando há essa percepção, é natural deixá-la (para depois voltar).
    Enfim, sem fundamentalismos, também compreendo que haja crianças diferentes e sensibilidades diferentes.
    Um abraço!
    Ana

  4. Bruno Flores comentou:

    Julho 23, 2014 às 3:07 pm

    Obrigado pelo valioso testemunho. Como pais a nossa principal função é estarmos atentos aos nossos filhos, vivermos e sentirmos a suas mudanças, as suas conquistas pessoais. Quanto aos fundamentalismos, é engraçado que se eu disser que uma criança não deve ir para a creche pelo menos a partir de certa idade ou apenas quando a criança e pais estão preparados estou a ser fundamentalista (opinião de algumas pessoas claro). Mas quando a sociedade, uma empresa, um patrão obrigam a que os pais tomem a difícil decisão, por exemplo aos 4 e 5 meses, é normal, uma necessidade. Precisamos de criar o debate para que se abra espaço a experiencia de ser criança e de ser pai e mãe, e não por questões meramente economicistas, mas porque se trata seres humanos, pessoas, vidas e a experiencia que daí advém.

  5. CLAUDIA PERSI comentou:

    Fevereiro 9, 2015 às 6:12 pm

    Parabens pelo post. Gostei imenso. primeira vez que visito o blog vou seguir no facebook e pinterest, qual e a maneira de seguir no blog directamente?
    Abraco do Canada
    claudiapersi.blogspot.ca

  6. Marta Nabais comentou:

    Fevereiro 10, 2015 às 5:09 pm

    Claudia, obrigada pelas suas palavras. Vamos estando mais activos no facebook, mas pode sempre seguir-nos pelo bloglovin. Abraço de Portugal 😉